quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Entrevista a Rainer - parte 2

Publico aqui mais algumas perguntas da entrevista dada a Rainer Gruggenberger, sobre meu livro Primeiro a Honra. A primeira parte da entrevista está aqui.

6) Você escreve, no Prefácio, que gostou “do contato” que teria feito “com os povos celtas”. Em qual sentido e em qual maneira você fez esse contato? Foi só através dos livros históricos? Você tem raízes italianas e parece que você se identifica muito com os celtas. Claro que também o norte da Itália tivesse as influências celtas, mas ao que precisamente atribui ao fascínio? Eu acho que você desenhou uma imagem, que deixa pensar que você encontrasse nos celtas o povo puro, natural e não corrupto pelos maus hábitos da civilização, um mito que sobretudo muitos Românticos procuravam. Você acha mesmo que os celtas reais pareciam com os celtas do seu romance? Não acha que também os celtas, como todos os povos, tinham as suas regras absurdas e nesse sentido desnaturadas?

Meu vínculo com os celtas nasceu na faculdade de história da arte, pois os cursos são estruturados de uma forma que eu discordo: 1) Pré-história: pinturas rupestres da região franco-cantábrica e do levante espanhol; 2) Idade antiga: Egito, Mesopotâmia, Grécia, Roma; 3) Idade média: estilo bizantino, renascimento carolíngio, estilo românico, estilo gótico. Eu sempre me perguntava se os homens pré-históricos das cavernas francesas tinham se mudado para o Egito para construirem ali sua civilização, e só tinham voltado para a Europa no século VIII, para prepararem a ascensão de Carlos Magno. Havia uma lacuna na história que nenhum professor se preocupava em preencher (e, na verdade, também não havia tempo hábil para incluir outros assuntos). Então, em pesquisas particulares, um dia descobri que os homens das cavernas francesas tinham criado sua própria cultura, e eram conhecidos pelo nome genérico de celtas, e tinham uma arte riquíssima, digna de ser estudada nos cursos de história da arte. Eu ainda quero escrever uma história que se passe na Primeira Idade do Bronze, em Hallstatt - essa, sim, será a devida homenagem a esse povo que começou a construir o que hoje é a Europa. Meu contato com os celtas acontece através da arte (que nem é marcante durante o livro, exceto pela habilidade manual de Rudbert) e é uma satisfação para mim ter personagens celtas - mesmo que sejam celtas à minha maneira. Procurei dar a minhas personagens características possíveis das pessoas celtas, de forma que não houvesse incorreções históricas, mas meus celtas - como meus francos - são fictícios e, como minha intenção não era uma recriação antropológica, não me preocupei em fazer meus celtas um modelo perfeito de como devem ter sido os celtas, mas apenas um modelo possível.

Não considero que os celtas fossem puros e incorruptos. Ninguém é puro se é humano. Certamente eles tinham costumes que consideramos absurdos e desnaturados, mas quanto de seus costumes eu vou usar é algo que as necessidades da minha trama é que vão decidir.

7) Os protagonistas francos têm nomes franceses (Rosala, Constance, Thierry, Lanrose, Sigemond Toulière) enquanto os gauleses se chamam Berta, Archibald, Adèle, Atilde, Rudbert e Gregor. Para mim parecem ser nomes típicos germánicos e não gauleses. Você encontrou esses nomes num livro sobre os celtas?

Todos os nomes na verdade são francos, ou de origem franca. Não consegui encontrar nomes Parisii para meus celtas, então tive que me contentar em usar nomes da época simplesmente, e dei preferência aos francos por estarem em um reino franco, imaginando que a mistura de culturas já vinha acontecendo há algum tempo. Agora me ocorre que eu poderia ter usado nomes de origem romana, mas esses também eram difíceis de encontrar.

Thierry era o nome do filho do rei Clodoveu; Berta era o nome da mãe de Carlos Magno; Atilde é partícula de Clotilde e Batilde, mulheres merovíngias; Archibald contém partículas de nomes merovíngios - archi e bald; Rosala, Constance e Adèle eram nomes que existiam na época - de rainhas ou santas; Rudbert não existia, mas contém bert (que é germânico mesmo, mas usado também pelos francos, como em Berta), então inventei; e Ailan é totalmente invenção minha.


8) Eu, sobretudo como iniciante do português, gostei muito da simplicidade e da clareza da sua expressão literária. Em particular a escolha de um vocabulário simples e quotidiano, e o fato de que o romance consta principalmente dos diálogos facilita muito a leitura e aumenta o prazer dela. É um seu dogma que a linguagem deve ser tão simples e clara quanto possível? Você sabe que o seu romance, por isso, se prestaria bem ao acompanhamento da instrução do português para estrangeiros num nível intermediário? O romance linguisticamente serviria também como leitura para crianças lusitanas, se não tivesse um conteúdo que sobretudo no segundo capítulo se torna muito violento e que, em geral, trata a sexualdidade no modo mais ou menos explícito. Qual é o seu público principal? Haveria muita gente interessada em romances sobre um amor difícil, num país com as telenovelas que tratam uma temática parecida, ainda que o tempo e o espaço sejam diferentes?

Eu escrevo do jeito que eu gosto de ler. Minhas personagens são pessoas do povo, não há porque terem linguagem rebuscada ou erudita. E o narrador sou eu mesma, então prefiro usar uma linguagem que eu domino. Gosto de abordar as relações entre as pessoas e acho que elas ficam mais evidentes quando as pessoas se encontram e trocam ideias - daí os diálogos. Aos poucos, fui aprendendo a marcar a ação com a fala das personagens, e usar os diálogos para fazer descrições das personagens e para dar informações da situação social e cultural daquele grupo. Acho mesmo que é uma forma mais leve de apresentar informações complexas e menos didática do que se fosse feito com descrições. Assim, não sou eu-autora dando uma informação ao leitor, mas uma personagem dando informação a outra personagem, e o leitor pega a informação para ele também. Ocorre-me agora que talvez esse artifício faça o leitor se achar esperto e inteligente, pois não precisa que o narrador lhe conte nada, porque ele é capaz de pescar as informações de que precisa nas conversas entre as personagens. Nunca pensei em recomendar meus livros para estrangeiros aprendendo português, nem para outros falantes da minha língua, porque nunca tive leitores com esse perfil, mas é uma boa ideia. Não recomendo a leitura desse livro em particular para crianças e adolescentes, porque o considero violento. Tenho outros livros que poderiam ser lidos por adolescentes, por tratarem de temas menos traumáticos. Na verdade, quando estou escrevendo, não tenho um determinado grupo como público alvo. Costumo dizer que meu público-alvo sou eu mesma, pois escrevo para minha satisfação própria. A leitura dos outros é uma consequência da existência do texto, e não um objetivo. Diante disso, o livro é recomendado para pessoas que estejam na faixa etária que eu estava quando o escrevi. Então livros que eu escrevi com 19 anos podem ser lidos por adolescentes; livros que eu escrevi com 30 anos nem sempre podem ser lidos por adolescentes.

domingo, 11 de dezembro de 2011

SURPRESAS E IMPREVISTOS

Cheguei ao ano de 1918 e Toni está desempregado. Há uma guerra, e o Brasil se viu impelido a participar. Então imaginei que, no desespero, Toni gostaria de ir para a guerra, mesmo que fosse para morrer e... e por que ele não procuraria seguir a carreira militar, já que ele está procurando emprego em todo lugar? Só então me dei conta de que ele faz 18 anos justamente em 1918 e precisa se apresentar para o serviço militar obrigatório. Ele serve por um ano, depois não sai, e seus problemas de dinheiro e emprego estão resolvidos. Sim, é ótimo e perfeito... para ele! Para mim é péssimo, porque preciso dele desempregado em 1922 para o ponto de virada mais importante da história. Minha esperança era de que a obrigatoriedade do serviço militar fosse algo recente. Dessa forma, ele não teria que se apresentar e não correria o risco de resolver seus problemas assim. Pesquisei na Internet e o que foi que eu descobri? Que o serviço militar para todos os rapazes aos 18 anos existe no Brasil desde 1906 mas só se tornou obrigatório em 1918, justamente por causa da Grande Guerra. Eu não contava com esse tipo de imprevisto. Passo tanto tempo escrevendo sobre o passado remoto que esqueço das questões do passado mais recente, que ainda influenciam a vida atual. Então agora tenho que inventar um jeito dele ficar quite com suas obrigações junto ao Exército Brasileiro sem ir para a guerra, e sem se tornar militar de carreira. A questão da guerra até é mais fácil, porque o Brasil enviou poucos contingentes. Mas uma carreira militar para Toni está difícil evitar. Tenho que estudar mais sobre como era o serviço militar nessa época – e eu tenho parentes e amigos no Exército Brasileiro que talvez saibam do assunto para me ajudar – para salvar minha história do colapso. Se o ano de 1922 não for exatamente do jeito que eu planejei, a história perde o sentido e terá que ser descartada.
Mas por outro lado, é uma boa oportunidade de usar um deus-ex-machina. Vou estudar primeiro e depois decido o que fazer.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

RELATÓRIO DE PROGRESSO – 6 MESES

Ontem precisei procurar o nome de uma empresa específica, onde Toni está trabalhando, e me deparei com as expressões “triângulo central”, “antigo triângulo”, referentes à organização urbana de São Paulo. Fui pesquisar e acabei fazendo um estudo sobre geografia histórica de São Paulo – a fundação, urbanismo na época colonial, expansão urbana, os rios (hoje canalizados e alguns subterrâneos) Tamanduateí, Itororó, Saracura, Anhangabaú, além dos famosos Tietê e Pinheiros. Li também sobre os marcos urbanos centrais mais importantes desde a fundação e até o início do século XX: o Pátio do Colégio, o São Bento, a Sé, a Faculdade de Direito no Largo de São Francisco, os cafés, as tabernas, a Avenida Paulista com o Parque Villon, os bairros operários, e fui desenhando os contornos da cidade em 1917. Estou encantada com tudo o que estou descobrindo (e aprendendo) sobre a história e a geografia de São Paulo.
Na minha história, o ano de 1917 está chegando ao fim, e o Brasil acaba de entrar na Primeira Grande Guerra, enquanto Toni prossegue em sua luta pessoal por uma vida melhor. Na semana passada, organizei todos os fatos fictícios em ordem, e anotei tudo na minha tabela temporal. Ou seja, peguei aquela estrutura da história, da fase de elaboração, e inclui na tabela com os eventos da história de São Paulo e do Brasil. Então agora eu já sei quando cada coisa vai acontecer, quantos meses ele vai ficar em cada emprego, que emprego será. Está tudo organizado de forma que eu rapidamente consigo acessar as informações. Às vezes tenho vontade (mais do que necessidade) de imprimir os calendários desses anos, só para saber que dia da semana caiu cada evento, mas logo tento me convencer de que saber o dia da semana não é importante nesse caso. Mas, para um dos eventos, o dia da semana é importante, então provavelmente terei que consultar o calendário na hora de marcar o casamento.

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Um pouco sobre mim

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Mestre em História e Crítica da Arte pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Dedica-se à literatura desde 1985, escrevendo principalmente romances. É Membro Correspondente da Academia Brasileira de Poesia - Casa Raul de Leoni desde 1998 e Membro Titular da Academia de Letras de Vassouras desde 1999. Publicou oito romances, além de contos e poesias em antologias. Desde junho de 2009 publica em seu blog textos sobre seu processo de criação e escrita, e curiosidades sobre suas histórias. Em 2015, uniu-se a mais 10 escritores e juntos formaram o canal Apologia das Letras, no Youtube, para falar de assuntos relacionados à literatura.

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