Um dia, em 1986, eu sonhei que um homem caia num rio gelado e era salvo da morte por um outro homem, e ele queria demonstrar gratidão, embora o salvador insistisse em que não era necessário. Quando acordei, escrevi um texto sobre o valor da gratidão, mas fiquei revendo a queda e o salvamento e quis escrever o sonho. Comecei então a procurar, no meu velho Atlas, rios grandes e gelados, em que pudesse situar a história. Acabei descobrindo Verkhoyansk, às margens do rio Yana, a cidade mais fria do mundo. Achei que seria frio e branco o suficiente e situei a história ali.
A pesquisa prévia foi muito superficial, pois o material impresso a que eu podia ter acesso era escasso. Somente em 2002, quando eu fui prepará-la para a publicação, é que eu consegui textos e figuras para servirem de base a uma melhor contextualização da trama. Por ser uma história intimista, que trata justamente de solidão, não precisei mexer em alguns aspectos fundamentais, mas apenas ajustar a luz e as estações.
A grande emoção foi encontrar a cidade e imagens dela. Quando eu escrevi, eu nem tinha certeza se a cidade de fato existia, ou se era apenas um termômetro no meio do nada. Eu estava completamente no escuro do inverno ártico...
Lembro quando instalamos o Google Earth em casa. Depois de vermos o Rio de Janeiro e outras cidades que meu marido escolheu, ele me perguntou: “e agora, para onde vamos?” e eu respondi sem nem pensar duas vezes: “Verkhoyansk”. Foi emocionante ver o porte da cidade, as ruas, o telhado das construções – embora toda a região estivesse em baixa definição. Havia uma cidade, havia ruas, havia construções por onde minhas personagens podiam andar.
Depois encontrei o blog de um italiano descrevendo com fotos e textos a viagem dele de Moscou a Ysyakh (capital da Yakutia, onde fica Verkhoyansk) e dali à minha tão desejada Verkhoyansk. Foi fantástica a aproximação em etapas e, de repente, a foto com a cidade à beira do rio, vista das montanhas. Foi como se eu estivesse realmente chegando em Verkhoyansk.
Encontrei também imagens bem interessantes num site de fotos do Ártico. Todas essas informações foram extremamente valiosas na re-contextualização da história. Mas a essência permaneceu a mesma, e O processo de Ser continua sendo a história mais intimista, e a mais auto-biográfica do momento em que eu estava vivendo, em que os símbolos não são tão obscuros.
Parabéns pelas imagens das capas dos livros. Ficou bem legal! E este texto, hen? Valha-me deus, o processo de criação é complexo mesmo.
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