quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

MORTES

Muitas pessoas que lêem meus livros ficam horrorizadas com a quantidade de mortes que há, e a forma aparentemente fria como eu descrevo alguns detalhes dessas mortes. As pessoas acham que só os maus morrem, como se a morte fosse um castigo. É o hábito dos contos de fadas e da telenovela brasileira: o vilão enlouquece ou morre; eventualmente é preso. Não tenho vilões óbvios, e não considero a morte uma punição: a morte é uma etapa da vida, e pode acontecer em qualquer idade, por qualquer motivo, e em geral encontra a pessoa despreparada. Eu apenas reproduzo o fato da vida, não sou uma “assassina fria”.

Gostei muito quando Ariano Suassuna, numa entrevista, assumiu que mata muitas personagens. Ele contou que a primeira história que escreveu era um conto com três personagens e as três morriam no decorrer da história – um dos motivos de ser um conto: com as três mortes, não sobrou nenhuma personagem para conduzir a história. Ele também citou o caso do “Auto da Compadecida”, que se tornou mais conhecido depois do filme de Guel Arraes, produzido em 2000: na parte mais importante da história, quando a Compadecida atua, todas as personagens estão mortas, e a maioria permanece morta. Então agora, quando me acusam de matar muitas personagens, eu respondo que estou em boa companhia.

A quantidade de mortes também me impressionava um pouco, inclusive porque eu choro por todas as personagens que eu mato, sofro com as personagens que ficam, uma atitude estranha para um “serial-killer”. Perguntava-me também como eu, uma pessoa tão meiga e doce, poderia ter tanta violência precisando explodir dessa forma. Então, na última morte que contei (em O Canhoto), percebi qual é a questão. Não há violência que precisa ser extravazada. Eu não mato as personagens: eu as faço morrer para que eu possa chorar por elas, para que eu possa fazer na ficção um luto que eu não fiz na vida real, quando estava ainda sob o domínio do inconsciente – e é o inconsciente quem se expressa nas minhas histórias.

Desde que tomei consciência desse fato, estou fazendo o luto na vida real e me libertando dessa melancolia, que me acompanhou a vida inteira. Quando o luto estiver feito, eu provavelmente não precisarei mais matar minhas personagens – pelo menos não para esse fim. Se elas morrerem, será por necessidade da trama, não para suprir alguma carência minha.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

ALGUMAS QUESTÕES DE ESTILO

Primeira postagem do ano e eu deixei passar o dia combinado... Férias são um problema... Mas vamos falar de estilo.

Segundo Mário Quintana, “estilo é a deficiência que faz um sujeito escrever sempre do mesmo jeito”. É verdade. De tanto repetir os procedimentos, eles viram fórmulas e configuram um estilo. Por fim, só sabemos escrever dessa forma, que acaba se tornando mais fácil, pela prática. Então aprimorar meu estilo próprio é descobrir minhas deficiências e investir nelas; e encontrar a forma que me é mais simples, fácil e prazerosa. Mesmo quando tento implementar mudanças na forma de escrever, quando percebo, estou fazendo do jeito que sempre faço. Por causa deste blog, tenho refletido sobre meus processos, e chegou a hora de apontar alguns hábitos que configuram aspectos que podem ser considerados estilo. Perdoem-me os críticos literários e especialistas, se meu linguajar não é técnico nem correto: nunca estudei análise literária formalmente: minha experiência é empírica, de leitora amadora.

Quero levantar alguns pontos característicos:

1) os inícios: gosto de jogar o leitor de para-quedas no meio da ação. Quando o livro começa, a história já começou e o leitor “pega o bonde andando”, e tem que rapidamente inteirar-se do que está acontecendo. Foi assim em O destino pelo vão de uma janela: “De repente, um vulto entra pela janela do quarto da jovem”; em O maior de todos: “O conde ia apressado pelos corredores escuros do castelo”; em Primeiro a honra: “Em prantos, a jovem entrou no quarto da amiga”; em Construir a terra, conquistar a vida: “O prisioneiro foi retirado da cela imunda”; em A noiva trocada: “O carro sacudia na estrada esburacada”. O início de O canhoto também é assim, com Nicolaas fugindo para esconder-se no quarto, seguido por sua mãe.

2) descrição física das personagens: as descrições são curtas e contam só as características mais expressivas das personagens: o que as faz diferentes das outras pessoas. Também não gosto de fazer um parágrafo para descrever a personagem: me faz lembrar as redações da escola, que eu odiava fazer. Prefiro que as características da personagem apareçam em algum diálogo ou no meio de uma cena, ou quando significam alguma coisa para o desenvolvimento da história. Por exemplo: em Construir a terra, conquistar a vida: Duarte e Fernão têm cada um seu parágrafo próprio com a descrição de sua aparência (eu estava tentando ter um estilo diferente) mas Inês, por exemplo, é descrita num diálogo em que suas características estavam sendo criticadas e defendidas. Dos irmãos mestiços, sabemos que um é o mais branco dos irmãos; outro, o mais moreno deles; um tem traços portugueses e cor indígena, mas os detalhes dessas misturas não é contado: cada leitor imagine como quiser. Em O canhoto: de Nicolaas só sabemos a cor dos olhos e cabelos, e que é canhoto. Ainda assim, essas informações são dadas ao longo das 376 páginas manuscritas. Ester não é descrita, nem Juan Miguel, nem Robrecht, e também sabemos pouco sobre Maurits, as personagens que rodeiam Nicolaas mais de perto. É algo que terei que rever quando for digitar essa história, e descrever as personagens um pouco mais: elas também não podem ser tão pobres em descrição. É preciso dar pistas para que o leitor possa formar a imagem das personagens, para que elas adquiram corpo e existência física concreta. A pintura que faço das personagens não é um quadro renascentista, em que os fios de cabelo são desenhados um a um, tudo em detalhes, mas está mais próximo de um quadro impressionista, em que algumas poucas pinceladas dão uma visão geral da personagem, deixando espaço para que o leitor use sua imaginação e seu conhecimento do mundo para completar a descrição.

3) descrição psicológica das personagens: os aspectos psicológicos das personagens eu absolutamente não descrevo, para não rotulá-las. Pelo que elas pensam, dizem e fazem, e pela forma como se movem e agem é possível ao leitor perceber se a personagem é calma, agitada, alegre, melancólica, neurótica, nervosa, medrosa, insegura, etc. Às vezes, alguma personagem rotula outra, mas fica a critério do leitor aceitar a opinião dessa personagem ou ter a sua própria. Fernão, por exemplo, diz que Duarte tem bom senso mas talvez o leitor ache que as ações de Duarte não sejam tão sensatas assim e prefira caracterizá-lo de outra forma. Willem diz que Maurits é subversivo mas Nicolaas o acha admirável. Cabe ao leitor escolher se concorda com um dos dois ou se tem opinião diversa. O que não pode é eu, enquanto escritora e “mãe” de todos eles dizer o que penso deles: o leitor acreditaria sem refletir e todo meu trabalho de dizer em linhas e entrelinhas se tornaria inútil.

4) tempo da narração: faço a narração no passado, contando o que as personagens disseram e fizeram. Acho mais tranqüilo e confortável. Quando eu comecei a escrever, misturava narração no presente e no passado, conforme o tipo de cena: passado para cenas calmas, presente para cenas tensas e de ação. Com a prática, acho que aprendi a criar tensão e ação mesmo usando o tempo passado, então só em O destino pelo vão de uma janela essa mistura permaneceu: quando fui publicar, não quis que o texto perdesse suas características originais.

5) clichês: entrei em pânico quando me disseram que eu usava muitos clichês. Tive que rever o que eu já tinha escrito e o que estava escrevendo, para encontrá-los e eliminá-los, tanto quanto possível. Desde então, tenho sido muito mais cuidadosa para nem produzi-los. Prefiro não fazer uma imagem a fazer um clichê. Nesse ponto me ajudou muito o Blog do Romance, que não existe mais, ao disponibilizar listagens de clichês usados por outros autores em suas obras. Ao ver a falha apontada no outro, me corrigi. É interessante que eu usava os clichês simplesmente por não saber que são clichês, e que isso empobrecia a minha escrita. Uma vez com a consciência do erro, ficou mais fácil evitá-lo.

6) ação: minha narrativa tem por base os diálogos. É neles que as personagens são nomeadas. Antes da pessoa ser citada, ela não tem nome; é apenas “um vulto” (Gustave) que entra pela janela do quarto “da jovem”(Marie); “o prisioneiro”(Duarte) que tem as mãos amarradas para trás; “o conde” (Legrant) que vai apressado pelos corredores escuros do castelo; “a jovem” (Rosala) que entra chorando no quarto “da amiga” (Constance).

É nos diálogos também que eu construo os conflitos, e que as características psicológicas das personagens se expressam. É claro que as personagens não ficam todo tempo falando. Elas também se movem, andam, pensam em silêncio, brigam, correm, etc, e isso é narrado sem diálogos. Considerando essa minha predileção por diálogos, posso dizer que meu estilo tem algo de teatral, por se basear em cenas de interação entre as personagens, mediada pela fala. O Prof. Antônio Olinto, da Academia Brasileira de Letras, apontou isso quando viu um trecho de Construir a terra, conquistar a vida, ressaltando que o grande mestre do diálogo é Shakespeare, um autor que eu naturalmente não pretendo ombrear.

Bem, devo ter deixado de discorrer sobre algum aspecto de análise estilística, que não me ocorre agora. Se meus leitores apontarem meus esquecimentos, terei prazer em complementar as informações.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

FELIZ ANO NOVO A TODOS!!

Agradeço a todos os que acompanharam meus textos em 2009, aos que estiveram no Blog esporadicamente, e também aos que, mesmo vindo parar aqui por engano, ajudaram a engrossar minhas estatísticas de visitas.

Pela minha inexperiência com administração de sites em geral e blogs em particular, só consegui instalar um contador de visitantes depois que o blog já tinha mais de um mês, e eu sei que muita gente o visitou em seu lançamento. Mesmo assim, consegui o número de 343 visitantes, sendo que 30% são visitantes habituais. Viram meus textos pessoas de várias cidades do Brasil (ao todo 71 cidades, com destaque para Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Belo Horizonte, Barueri, Curitiba, Belém, Brasília, Goiânia e Marília, as primeiras da lista, com maior número de visitantes), além de pessoas residentes em Portugal (Lisboa, Porto, Portimao, Funchal, Boliqueime e mais 5 cidades), nos Estados Unidos (Montain View), Bélgica (Sijnt-Josse-Ten-Noode), Japão (Gifu), Argentina (Puerto Madero), Suíça (Ostermundigen), Holanda (Bunnik), Angola (Luanda), Namíbia (Windhoek), Canadá (Aldergrove), Reino Unido (Southampton). Portanto, o saldo é mais do que positivo! Ainda nessa linha estatística, percebi que apenas 15 pessoas se interessaram em ter mais informações sobre os romances, acessando as fichas do Blog de Apoio.

Segui minha disciplina de postar textos em dias determinados, mas às vezes publiquei dois textos curtos no mesmo dia. Por isso, em seis meses publiquei 34 textos, sendo 5 de Apresentação, 3 sobre Organização, 5 com Histórias das histórias, 12 sobre Curiosidades, 1 específico sobre uma Personagem, 4 com respostas a perguntas, 1 com resposta a comentário, e 2 sobre meu processo atual.

Em 2010 continuarei postando nos dias 1, 11 e 21. Acho interessante que os leitores saibam que dias encontrarão textos novos, pois sei como é frustrante entrar num blog e não ter nada novo para ler. Os próximos textos a serem publicados seguirão a mesma linha dos já publicados, inclusive porque ainda tenho textos escritos no ano passado que ainda não foram publicados.
Tenho que contar também como está sendo complicado transformar o conto À procura em romance!

Então desejo a meus leitores um 2010 muito especial, com sonhos realizados e muita literatura. Eu continuarei aqui, esperando pela visita, comentários e sugestões de vocês.

Outros textos interessantes

Um pouco sobre mim

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Mestre em História e Crítica da Arte pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Dedica-se à literatura desde 1985, escrevendo principalmente romances. É Membro Correspondente da Academia Brasileira de Poesia - Casa Raul de Leoni desde 1998 e Membro Titular da Academia de Letras de Vassouras desde 1999. Publicou oito romances, além de contos e poesias em antologias. Desde junho de 2009 publica em seu blog textos sobre seu processo de criação e escrita, e curiosidades sobre suas histórias. Em 2015, uniu-se a mais 10 escritores e juntos formaram o canal Apologia das Letras, no Youtube, para falar de assuntos relacionados à literatura.

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