sábado, 21 de agosto de 2010

RELEITURAS

É preciso reconhecer que muitas vezes não é possível ter todas as idéias originais. Muitas vezes, faço releituras de obras que já existem – livros, músicas, filmes, tele-novelas. Naturalmente não pretendo imitar as obras originais, mas justamente experimentar finais diferentes, mudar o ambiente, alterar aspectos de caracterização das personagens. É algo que comecei a fazer ainda em 1986, e é uma prática que me rendeu 28 histórias, das quais são sobreviventes Nem tudo que brilha..., Amor de redenção e o Ciclo de Kerdeor (Romance em prosa do Cavaleiro de Nova Gália, História da vingança do bretão, Aventuras dos Cavaleiros Cantores). É interessante que muitas vezes o nome da história é também o nome da obra em que foi inspirada – sinal de que quis manter a referência com o original. Vou citar aqui apenas as histórias descartadas, uma vez que a explicação das histórias sobreviventes já foi feita em textos próprios.

Baseadas em filmes, tenho: 1) Viagem à lenda da concha, de 1986, como os filmes juvenis da época, em que grupos de crianças e adolescentes vivem aventuras. Há também uma certa inspiração no livro Viagem ao centro da terra, de Jules Verne; 2) O circo, de 1987, inspirado em Trapézio, de Carol Reed; 3) Luzes da cidade, de 1995, como a de Charles Chaplin; 4) Nunca te vi, de 1988, como o filme de David Hugh Jones; 5) Simultaneidade, de 1995, é baseada em Uma noite alucinante, de Sam Raimi, que eu gravei por engano e assisti em FastForward, procurando o filme que eu queria ter gravado, e baseada em Alone in the Dark, jogo para computador, numa versão para DOS ou Windows 3.1, que eu conheci em 1993.

Baseada em livros, tenho: 1) Alan e as sete brancas-de-neve, de 1986, numa inversão subversiva do conto infantil; 2) Gêmeos, de 1987, inspirado em Os irmãos corsos, de Alexandre Dumas; 3) Rebecca, de 1987, inspirada no livro homônimo de Daphne du Maurier; 4) Crime e Castigo, de 1991, com um final diferente para a trama de Fiodor Dostoiewsky; 5) Senhora, de 1993, como a de José de Alencar; 6) A megera domada, de 1996, baseada em William Shakespeare; 7) A Bela e a Fera me rendeu duas versões, uma em 1996 e outra em 1997. Alterei a caracterização da Fera e a ambientação da história. Gosto do resultado, mas ainda não o bastante para escrever; 8) Europe também tem duas versões, uma de 1994 e outra de 2003, e a fonte é o conto Europe (falta-me o nome do autor!), com uma pitada do filme Como água para chocolate, de Alfonso Arau; 9) Solitário, de 2003, é inspirada na história de Santo Onofre, contada por Eça de Queiroz; 10) Luz, de 1988, se inspirava em David Copperfield, de Charles Dickens; 11) A casa bem assombrada, de 1989; Chuva, de 1986 e A morte não basta, de 1992 são todas baseadas em O morro dos ventos uivantes, de Emily Brontë.

Baseadas em música, tenho 1) Virgem do templo, de 1996, baseada na ópera Norma, de Vincenzo Bellini; 2) I drove all night, de 1994, como o clipe da música de Roy Orbison; 3) Dona, de 1994, inspirada na canção do grupo Roupa Nova.

Baseadas em arte, tenho 1) Desastres da guerra, de 1997, inspirada na série de gravuras de Francisco de Goya y Lucientes.

Muitas vezes, faço essa opção de utilizar uma ideia de outra pessoa para passar o tempo, como uma brincadeira; outras vezes, estou mesmo testando se consigo fazer diferente com a mesma qualidade do que já foi feito (e consagrado). A verdade é que eu invento muito mas escrevo pouco: sou muito crítica com o que faço. Se não fico 100% satisfeita, a história acaba descartada ou, com sorte, fica suspensa, esperando eu modificar até considerar boa.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

LITERATURA E ARTE

Esta é uma associação que eu sempre faço, não fosse eu historiadora da arte. Então, sempre que posso, incluo aspectos formais e estilísticos de construções arquitetônicas, cito artistas que eram ativos na época da história, quando não faço minhas personagens terem contato com as obras e os artistas. Aproveito também para situar as principais questões artísticas da época e o status social dos artistas. É também uma forma bem confortável que tenho de contextualizar a minha história.

A primeira história em que essa relação entre literatura e arte acontece é Tudo por causa de um quadro, de 1986. Como o próprio nome diz, tudo acontece porque o rapaz viu um quadro com o retrato da moça, apaixonou-se e pretende conquistá-la. Era uma história baseada num sonho, e não consegui dar-lhe muita consistência, por isso descartei. Cheguei a fazer uma segunda versão, que também não se sustentou. Em uma história sem nome de 1987, uma artista plástica pretende testar se a observação tátil do modelo funciona tão bem quanto a observação visual. Em Nem tudo que brilha... há um quadro, mas não o inseri na história da arte. Em O canhoto, também cuidei de descrever bem a estrutura e a decoração do mosteiro, que o caracterizam como cisterciense. Foi muito divertido, quando Nicolaas viaja pela Itália (perdido no mundo) e passa por Florença, "pátria" do Renascimento italiano porque, quando ele passou por lá, simplesmente não havia nada de renascentista para ele visitar, como turista. Olhando com olhos de hoje, é absurdo pensar que ele passou apenas meio dia na cidade porque "não há nada de interessante para se ver em Firenze". E há também uma outra história sem nome, de 1998, em que um órfão pobre de repente descobre que tem um dom excepcional e se torna um grande artista. Pensei em situar essa história no século XIV e de alguma forma relacionar minha personagem a Giotto: como aluno, como concorrente, mas não desenvolvi a idéia e deixei essa história suspensa.

Uma história em que usei bastante os aspectos artísticos na contextualização foi Tudo que o dinheiro pode comprar. Tenho, por exemplo, uma cena em que Miguel diz querer encomendar um retrato do filho. É a brecha para eu falar em Augusto Mueller, um dos maiores retratistas da primeira metade do século XIX, e a polêmica do gosto entre Vítor Meireles, requisitado retratista da segunda metade do século XIX, famoso por suas pinturas históricas e panoramas, e Pedro Américo, pintor histórico. Na hora de situar essa história no tempo, eu queria o final do século XIX, então não resisti e fiz parte dela acontecer em 1879, ano da Exposição Geral de Belas Artes em que foram apresentados dois dos quadros mais famosos da arte brasileira até o século XIX: a “Batalha dos Guararapes”, de Vítor Meireles, e a “Batalha do Avaí”, de Pedro Américo. Minhas personagens, como o público da época, tomaram partido, atacaram e defenderam as obras e os artistas.

Acho que a relação mais intensa está em Construir a terra, conquistar a vida, em que um dos meninos desenha bem mas percebe que não pode seguir carreira devido à importância dada às artes plásticas na colônia (nenhuma importância). Prefiro não contar aqui nem quem é o menino, nem que solução encontrei para ele. Assim, não estrago a leitura do livro, quando eu o publicar. Foi muito interessante contrastar o Renascimento italiano – um dos momentos mais deslumbrantes da história da arte, quando o artista assume lugar de gênio e deixa de ser um artesão competente – e o ambiente cultural do Brasil na mesma época, em que os poucos artistas eram monges ou padres; as artes possíveis eram a arquitetura e, quando muito, a escultura devocional; as pinturas eram raras e se resumiam a retratos do rei e histórias de santos; as casas de pau-a-pique não eram decoradas artisticamente, então o único cliente era a Igreja, que tinha seus próprios artistas. “Quem vai querer comprar um desenho, mesmo que esteja bem feito?” –pergunta o artista, desconsolado, resignando-se a seguir outra profissão. Ele é meu único artista plástico e, por coincidência, houve um “mestre em artes” no Rio de Janeiro no início do século XVII com o mesmo nome. Mestre em artes, na época, não significava artista plástico, mas englobava várias habilidades manuais, inclusive o trabalho artesanal que hoje chamamos de arte colonial brasileira.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

LITERATURA E MÚSICA

Algumas pessoas escrevem ouvindo música, outras preferem o silêncio completo para criar. Alguns textos são inspirados por alguma música; alguns textos têm trilha sonora. Eu estou em todos os casos.

Ouvir música não me ajuda nem atrapalha, na maioria das vezes. Na verdade, qualquer ambiente me é propício à criação, uma vez que consigo, se necessário, ativar meu silêncio interior – que, às vezes, funciona como ruído interior, quando as cenas que estou criando se apossam da minha mente.

Quando comecei a escrever, tentava dar a cada história uma música que lhe pudesse servir de trilha sonora, como se o texto fosse um filme, com imagens e sons. É o caso da história nomeada Cheia de Charme e que, evidentemente, tem como trilha sonora a música “Cheia de charme”, de Guilherme Arantes. Neste caso, a comunhão história/música foi tão intensa e tão perfeita que a história acabou ficando com o mesmo nome que a música, ainda por cima porque nunca lhe dei um título. Há outros casos em que eu encontrei músicas que encaixavam bem nas histórias, mas acabei desistindo da prática, pois percebi que era uma informação inútil, já que eu não me referia à música durante a história, nem informava em lugar nenhum que tinha escolhido aquela música como trilha sonora para aquela história.

Algumas relações e associações, entretanto, acabam sendo inevitáveis, mesmo eu não procurando mais. Foi o que aconteceu, por exemplo, em Amor de Redenção. Na época, uma colega de trabalho assistiu a uma audição de “Concerto de Aranjuez”, de Joaquim Rodrigo, e me contou como ficou emocionada. Fiquei com vontade de ouvir a música em meu CD. E eis que eu comecei a ver as minhas personagens no segundo movimento! Ágila cavalgando ferozmente pelos planaltos espanhóis, e a chuva caindo fria sobre a pobre Alana. Então, toda vez que eu tinha uma cena difícil à frente, ou que não sabia muito bem como continuar, eu ouvia o “Concerto de Aranjuez” como uma forma de me impregnar com o clima da história e buscar “inspiração”. Mas não citei em lugar nenhum que a música tem relação com a história.

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Um pouco sobre mim

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Mestre em História e Crítica da Arte pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Dedica-se à literatura desde 1985, escrevendo principalmente romances. É Membro Correspondente da Academia Brasileira de Poesia - Casa Raul de Leoni desde 1998 e Membro Titular da Academia de Letras de Vassouras desde 1999. Publicou oito romances, além de contos e poesias em antologias. Desde junho de 2009 publica em seu blog textos sobre seu processo de criação e escrita, e curiosidades sobre suas histórias. Em 2015, uniu-se a mais 10 escritores e juntos formaram o canal Apologia das Letras, no Youtube, para falar de assuntos relacionados à literatura.

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