segunda-feira, 21 de setembro de 2009

CONSTRUIR A TERRA, CONQUISTAR A VIDA

Esta história é meu grande orgulho. Grande em vários sentidos: levei exatos seis anos para escrever suas 876 páginas (depois de digitada, coube em 844 páginas)

Desde que eu cursava o segundo grau, tinha intenção de fazer uma história sobre o início do Brasil, contar as dificuldades e vitórias dos heróicos portugueses que, por coragem, ganância ou falta de opção, vieram viver aqui. Em 1986 cheguei a pensar numa história que contaria a vida de um dos degredados que Pedro Álvares Cabral deixou aqui. Chamava-se Gerações, porque chegaria aos dias de hoje, contando a vida também dos descendentes desse degredado. Projeto ambicioso demais: desisti. Em 1993, morei em São Luís-MA e busquei conhecer mais da história da cidade, onde eu já tinha morado de 1983 a 1987. Ficava imaginando como teria sido para os franceses serem derrotados após tanta luta e terem que deixar a terra. Imaginei o comandante, longe de sua terra, longe da família – talvez para sempre, e seu sentimento de solidão e saudade – ops! saudade é palavra que só existe em português!

Depois, quando eu cursava o mestrado, uma professora comentou que, fora das metrópoles, a forma artística mais comum é a literatura porque não precisa de habilidade manual para ser feita, nem de material de suporte, podendo ser produzida e transmitida oralmente. Então tudo se juntou e eu imaginei um português degredado que tinha saudade de sua terra e fazia versos. Eu estava morando novamente no Rio de Janeiro, e sempre apaixonada por esta cidade e sua história. Aproveitei o conhecimento da história e da geografia da cidade que eu já tinha e a idéia do século XVI e criei Tempos primevos, o nome provisório que ela teve.

A personagem principal é um português que veio degredado para Salvador e novamente numa espécie de degredo vem para o Rio de Janeiro expulsar os franceses em 1567: Duarte Correia. Tirei dele a habilidade de fazer versos porque queria que ele representasse melhor a maioria da população da época, que era iletrada, mas a saudade eterna de sua amada Lisboa permaneceu. Depois criei uma segunda personagem, um brasileiro de Salvador, mais novo, para criar uma espécie de contraponto entre os pontos de vista do português reinol e do português da colônia. Assim nasceu Fernão Lopes. Escolhi propositadamente nomes que não usamos mais no Brasil, e que se tornaram Eduardo e Fernando, mas que eram bastante comuns na época.

Recriar um tempo tão remoto sobre o qual não há muita informação organizada foi um constante desafio. Nunca li tanto para ter base para escrever uma história. Também, eu me propunha a cobrir praticamente toda a segunda metade do século XVI no Rio de Janeiro. Acabei terminando a história em 1592, quando achei que os problemas principais estavam resolvidos ou bem encaminhados, não apenas na geração de Duarte e Fernão mas também na dos filhos deles – aquela idéia primeira de falar de mais de uma geração. Era muito interessante comentar com os amigos que estava escrevendo uma história ambientada no Rio de Janeiro do século XVI, e ouvi-los responder: “século XVI? Mas nessa época não havia nada aqui!” E eu dizia: “Havia, sim: minhas personagens estavam lá”.

A experiência foi tão intensa e vívida e minhas personagens são tão reais para mim que hoje eu falo delas e dos lugares por onde elas andaram como se elas tivessem de fato existido: “a casa de Duarte era aqui”; “ali é onde morava Fernão, naquela rua que não existe mais” (embora a Rua de Fernão Lopes nunca tenha existido); “tem sangue de Duarte neste chão”; “aqui foi onde Duarte conheceu Ayraci”; aqui eles fizeram isto e aquilo. E ainda reclamo que os livros de história da cidade não registram a passagem das minhas personagens por aqui, e seus feitos em prol do desenvolvimento da cidade.

Provavelmente cometi algum engano histórico e/ou de caracterização, pois certamente há muita coisa que eu não li e, na falta da informação correta, invento conforme o que entendo como necessidades da trama. Mas a história das personagens está entranhada na história da cidade como se fosse uma coisa só. Talvez este seja o único romance histórico que eu tenho, enquanto os outros são apenas histórias que acontecem no passado. De qualquer forma, é minha Saga, meu Gigante, meu canto de amor e louvor à Cidade que será sempre Maravilhosa, apesar de seus problemas.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

QUAL O MELHOR ROMANCE? QUAL A PERSONAGEM PREFERIDA?

Essas perguntas são fáceis de se responder: o melhor romance é o que estou escrevendo, ou que acabei de escrever. E a personagem preferida é a protagonista desse romance. E a justificativa também é muito simples: é o romance que tem mais a ver com a minha realidade atual, coma maturidade que eu atingi, tanto quanto à vida como à literatura e a meu processo de criação.

Não posso negar, porém, o grande carinho que tenho por todos os que foram publicados – e se foram publicados, tanto tempo depois de escritos, é porque, além de eu reconhecer algum valor neles, seja literário, seja catártico, gosto da história e das personagens. Sou muito crítica de todo o processo, então todos os sobreviventes são meus xodós. Não há como sobreviver sem ser xodó. E, como são todos filhos, não é possível escolher um como mais querido. Por isso é difícil para mim dar uma indicação de um romance meu para alguém: eu sempre vou sugerir o mais recente.

CLASSIFICAÇÃO E TABELAS

Quem convive comigo diariamente já conhece – e às vezes até brinca com – minha afinidade com a organização das informações em forma de tabelas. Torna-se evidente, portanto, que minhas histórias também são organizadas numa tabela, certo? Bem, quase. Na verdade, tenho várias tabelas, além de algumas listagens.

O arquivo principal é a grande planilha índice, que não é tabela por não ter o quadriculado de linhas e colunas. Já tentei jogar no Excel mas gosto da visão de páginas inteiras que o Page Maker me dá. De qualquer forma, há colunas de informações: nome das personagens; ambientação; título; data de criação; data de descarte; quantidade de páginas; observações.

Outro par de tabelas muito importante é quantitativo:

1) a tabela de quantas histórias criadas e sobreviventes por mês, que totaliza quantas histórias em cada ano (coluna) e quantas histórias em cada mês (linha). Por causa dessa tabela, sei que criei mais histórias em 1996 (39 histórias), e que o mês mais criativo é outubro (31 histórias). Sei também que as melhores histórias (sobreviventes) são de 1994 (5 histórias) e que o mês com melhores resultados é março (4 histórias). E sei também que não criei nenhuma história em 2008 (muito ocupada escrevendo O canhoto), assim como não restou nenhuma sobrevivente dos anos de 1985, 1987, 1988, 1990, 1997, 1998 2000, 2002, 2004, 2006. Também é interessante notar que não há nenhuma história feita em outubro ou dezembro que seja sobrevivente – e olhe que outubro é o mês mais criativo!

2) Tabela de quantas histórias de cada cor por ano. Antes de falar da tabela em si, é preciso explicar minha classificação das histórias por cores, que se dá em função da ambientação escolhida. São seis cores, a partir das cores do Creative Paper, um pacote com folhas de papel craft de tamanho próximo a A4, próprio para atividades didáticas e criativas. Um dia, eu resolvi usar meia-folha desse papel para fazer uma espécie de capa e lombada das histórias, que me facilitasse agrupar as folhas e visualizar a espessura de cada uma. Excluí preto e branco e dividi as histórias pelas outras seis cores restantes. Ficou assim:

- amarelo = histórias ambientadas no Rio de Janeiro, na época em que estou vivendo (presente) – 134 histórias no total; 4 sobreviventes.

- verde = histórias ambientadas no resto do Brasil, época presente – 29 no total; 1 sobrevivente

- rosa = Brasil; época passada (anterior ao século XX) – 28 no total; 4 sobreviventes

- azul = histórias ambientadas fora do Brasil, época presente – 21 no total; 1 sobrevivente

- vermelho = fora do Brasil; época passada (inclui Romances de Cavalaria) – 47 no total; 9 sobreviventes

- laranja = histórias sem local e sem época definida; presente eterno; fábula; contos de fadas – 28 no total; 1 sobrevivente.

Essa tabela me permite saber quantas histórias de cada tipo foram criadas em cada ano e quantas sobrevivem. É interessante notar que eu crio mais histórias amarelas, mas as vermelhas são melhores (mais sobreviventes). Estes são os principais registros, que são usados para todas as histórias, e que resumem as principais informações de tudo o que eu já fiz.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

FINAL FELIZ

Minhas histórias em geral terminam com final feliz... não exatamente. Não acredito no “foram felizes para sempre” dos contos de fadas. Quando muito, meus finais apontam para uma felicidade possível, lá no futuro, e, mesmo assim, não necessariamente duradoura. Há casos também de conflitos resolvidos, quando a personagem acredita que alcançou a felicidade, mas não se dá conta de que perdeu algo importante para chegar a essa felicidade, ou de que terá que pagar por ela. Então, mesmo quando eu escrevo que foram felizes para sempre, resta uma dúvida se foram de fato felizes, e o tempo de duração desse para sempre.

Mais óbvios são os finais não-felizes, marcados por algum drama ou tragédia. Nem sempre me compete contar toda a vida das personagens, mas apenas um conflito capital de suas vidas. Resolvido o conflito, a história acaba, esteja a personagem feliz ou não com isso. Há casos também em que o conflito só termina com a morte da personagem. Isso, entretanto, não é necessariamente infeliz, pois a morte é o fim de todos os que estão vivos, sejam personagens ou pessoas reais, e é a solução inelutável de todos os conflitos da vida. Então não me julguem insensível ou má se uma personagem morrer: eu estou apenas recriando a vida em todas as suas etapas.

E há também os finais enigmáticos, nem aparentemente felizes, nem infelizes, em que cabe ao leitor decidir o que prefere.

A ESCOLHA DOS TEMAS

Em geral, minhas personagens vêem seus desejos pessoais entrarem em conflito com as normas sociais. Além disso, há ainda questões como vingança, relações de trabalho, relações de poder, solidão, subversão, realidade utópica, isolamento, valores pessoais, luta por um ideal, amor verdadeiro, o ciclo da vida, falsas aparências, que aparecem isoladamente ou associados um com os outros.

Nenhum desses temas foi escolhido conscientemente. Eles foram aparecendo à medida que a história ia se desenvolvendo. Escrever é uma forma de sublimar desejos e de resolver problemas do inconsciente. Quando eu começo a escrever, não sei ainda que temas serão abordados, que problemas pessoais irei resolver. O processo é completamente inconsciente. Minha personagens, os eventos, os feitos são todos símbolos do meu inconsciente projetados na ficção. Ultimamente já estou conseguindo perceber o motivo de algumas escolhas, e às vezes faço interferências conscientes mas não a ponto de poder considerar qualquer escolha como fato intencionalmente consciente.

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Um pouco sobre mim

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Mestre em História e Crítica da Arte pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Dedica-se à literatura desde 1985, escrevendo principalmente romances. É Membro Correspondente da Academia Brasileira de Poesia - Casa Raul de Leoni desde 1998 e Membro Titular da Academia de Letras de Vassouras desde 1999. Publicou oito romances, além de contos e poesias em antologias. Desde junho de 2009 publica em seu blog textos sobre seu processo de criação e escrita, e curiosidades sobre suas histórias. Em 2015, uniu-se a mais 10 escritores e juntos formaram o canal Apologia das Letras, no Youtube, para falar de assuntos relacionados à literatura.

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