terça-feira, 21 de junho de 2011

EXÍLIO

Refletindo sobre O canhoto, percebi aspectos interessantes e recorrentes nas minhas histórias. Percebi que muitas vezes alguma personagem precisa enfrentar algum tipo de exílio, em geral injustamente, mas esse exílio é o afastamento necessário para o amadurecimento da personagem: sair de si para se encontrar. Ao enfrentar uma situação-limite, a personagem é afastada do mundo, isolada, para que supere suas dificuldades emocionais e possa voltar ao mundo mais fortalecida e preparada para resolver seus problemas.

O local de exílio preferido é algum tipo de deserto, inabitado, de forma que a personagem possa ficar a sós consigo mesma (solidão) para encontrar seu caminho de crescimento pessoal, como acontece com Lucas, Ilya, Isabel (Nem tudo que brilha...), e Mário. Outras vezes o exílio se configura por a personagem simplesmente estar afastada de seu ambiente habitual e doméstico, que é o que acontece com Duarte, Rosala, Nicolaas e Caty. São exílios quase auto-impostos, embora não desejados pelas personagens – são o afastamento necessário para o amadurecimento, e a personagem se mantém nele até que tenha condições de solucionar seus problemas e voltar – ou não.

Nas 54 histórias que escrevi (ou estou escrevendo), 30 personagens enfrentam o exílio (o mesmo grupo no mesmo lugar ao mesmo tempo e pelo mesmo motivo conta como uma personagem). 17 são isoladas num lugar deserto, e 13 são simplesmente afastadas de seu ambiente habitual. Dessas 30 personagens, 20 retornam a seu mundo para resolverem seus problemas mas 8 passam tanto tempo exiladas que, pela impotência em saírem do exílio, são forçadas a construir suas vidas ali – e alguns chegam mesmo a ser felizes, como é o caso de Duarte, exilado de Portugal, e que construiu o Rio de Janeiro, sua nova terra, para poder conquistar uma vida melhor. Há ainda dois casos em que a personagem volta para resolver assuntos pendentes (Vingança e Rosinha) mas na verdade já têm sua vida construída no exílio.

Quando a personagem retorna, ela nunca volta ao ponto exato de onde saiu, pois a realidade está diferente e ela mesma está diferente, mais madura e fortalecida. Então, mesmo quando há o retorno, é necessário reconstruir a própria vida, dentro da nova realidade dela e do mundo.

Embora o exílio seja injusto e não desejado (apesar de necessário e auto-imposto), minhas personagens não o temem, mas enfrentam com coragem, confiantes em que conseguirão superá-lo, ou resignadas por agora fazerem parte daquela situação desagradável – e é essa coragem que permite a elas amadurecerem para poderem voltar, ou construírem uma nova vida no ambiente do exílio. Tenho orgulho de dizer que essa coragem de todos eles é minha. Coragem de amadurecer, coragem de enfrentar novas realidades, coragem de mudar sempre que necessário, para me tornar uma pessoa melhor.

sábado, 11 de junho de 2011

DEUS EX-MACHINA

Já usei essa expressão algumas vezes em textos publicados aqui, e já me perguntaram o que significa, então resolvi explicar o que é e aproveitar para comentar como uso essa ferramenta.

Deus-ex-machina é uma expressão em latim que quer dizer mais ou menos “uma divindade saindo de um dispositivo”. Descontextualizado, não faz mesmo sentido. Precisamos saber um pouco da história da Grécia clássica e seu Teatro. A tragédia – a grande forma - contava especialmente histórias mitológicas, de deuses, semideuses e heróis. A história dizia que o herói enfrentava incontáveis dificuldades até o sucesso final. Muitas vezes, vencia os desafios sozinho mas, outras vezes, precisava de ajuda divina. Então surgia no palco uma estrutura e, de dentro dela, saía algum deus, para ajudar o herói em seu problema. Fazer uma estrutura descer do céu ou brotar da terra sempre requer uma boa engenharia para construir um artefato e fazê-lo mover-se sozinho na direção certa – esse conjunto é o que se chama machina. Portanto, deus-ex-machina é o momento da tragédia grega em que deus sai do artefato de engenharia para interferir definitivamente no destino do herói. Por ser um deus, ele age ignorando as leis da física, da química e da biologia, e também está acima das leis e da moral, e segue uma ética própria, que nem sempre é a ética dos humanos.

Em literatura, chamamos de deus-ex-machina o momento em que o escritor cria um evento improvável para alcançar o resultado de que precisa para dar continuidade à história. Em geral, por estar agindo como um deus, ele passa por cima das leis da natureza e produz milagres. É aquela chuva que cai bem na hora e deixa o mocinho e a mocinha presos em algum lugar, para que percebam que estão apaixonados; é a distração do vilão que faz o mocinho vencê-lo; é a cura milagrosa de doenças, etc. É bem fácil identificar quando esse artifício está sendo usado, pois o leitor fica com uma sensação de “trapaça”, e pensa logo “essa chuva caiu bem na hora, hein!”, ou “nunca que o vilão vai cometer um erro primário desses”, ou “nossa, que sorte isso acontecer”, ou “ah, é claro que a mocinha tinha que estar ali para o mocinho encontrá-la”. São eventos injustificáveis, às vezes inverossímeis, mas totalmente necessários para que a história aconteça conforme os planos do autor. É importante que se diga que é um recuso possível, permitido, mas que deve ser usado com parcimônia, pois o exagero de deus-ex-machina numa história compromete a verossimilhança. É uma espécie de ato de desespero do autor: quando nada mais vai funcionar, apela-se para o deus-ex-machina.

Eu faço o possível para não abusar do recurso, pois, como já disse, ele mina a verossimilhança que me custa tanto construir. Ainda assim, às vezes é inevitável para que as personagens tenham o destino que lhes cabe. Há deus-ex-machina quando Estienne acredita que Ninette não é quem diz ser. Há deus-ex-machina na forma como Marie conhece Jacques. E também nas coincidências entre Isabel e Cecília; na ausência do pai de Caty quando Alex vai procurá-lo; na posição de Isabel de Durpoin enquanto Lisbet Legrant avista o arqueiro; no sono excessivo de Assunción; no não-reconhecimento de que Rodrigo é Mário. Não tinha jeito, eu precisava desses eventos para continuar a história.

E tenho, em Amor de redenção, um caso de diabolus-ex-machina (o termo é invenção minha). Chamo assim porque quem apareceu não veio para ajudar, mas era necessário para manter Ágila vivo até encontrar Camila. O próprio fato de Ágila atravessar os séculos vivo é inverossímel, mas a motivação da história (que contei aqui) exigia tal coisa, e essa espécie de deus-ex-machina foi o meio que encontrei para compor a personagem com todas as características necessárias.

Percebi que uso bastante o recurso do deus-ex-machina, mas procuro fazer de forma que pareça natural, e que o leitor considere uma “coincidência providencial”, e não uma apelação, ou uma “forçação de barra”. Meus deus-ex-machina costumam ser possíveis dentro da realidade da ficção criada e, portanto, verossímeis.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

SEGUNDO ANIVERSÁRIO

Obrigada a vocês, meus Seguidores, e a todos os meus leitores fiéis: Escrever para mim completa dois anos de vida. Está sendo muito bom para mim ter esse espaço para refletir sobre minha experiência e poder contar a todo mundo, caso sirva para reflexão de outros escritores. Imagino que também deve ser interessante para quem conhece meus romances saber como foram criados e o que me motivou a caracterizar as personagens desta ou daquela forma.

O número de seguidores e visitantes vem crescendo (desta vez, vou poupar vocês das estatísticas), e é muito bom poder fazer contato com pessoas que eu não conheceria de outra forma.

No primeiro ano, falei de questões mais abrangentes, cuidei de apresentar a mim e a minhas histórias. No segundo ano, aprofundei algumas questões, apresentei meu inconsciente tanto quanto consigo acessá-lo. Para este terceiro ano que se inicia, pretendo fazer textos mais didáticos – tanto quanto é possível se ensinar alguma coisa a alguém – abordando problemas comuns na escrita e soluções que encontrei. São questões que sempre aparecem nos fóruns e comunidades de que participo, de forma que são assuntos sobre os quais tenho refletido bastante ultimamente, e achei que será boa ideia partilhar com todos os meus visitantes as reflexões que tenho feito de uma forma mais privada. Este ano também vocês poderão acompanhar o processo de escrita de meu romance (ainda sem título) que eu chamo de Rosinha, o nome da personagem que me veio em sonho. Propositadamente comecei a escrever hoje, inaugurando o novo ano com meu já nem tão novo projeto.

Não pretendo publicar a história aqui à medida que for escrevendo pois, conforme já contei, meu método é bastante rígido e o texto só pode ser mostrado depois da primeira avaliação, que só acontece um ano depois de eu terminar de escrever. Inclusive, só textos APROVADOS (sobreviventes) nessa primeira avaliação são digitados. O que pretendo contar aqui é mesmo sobre o processo de escrever – as ideias, as pesquisas, as dificuldades, as alterações ao projeto original, as retiradas, os acréscimos. É algo que só agora terei oportunidade de fazer, pois comecei o blog depois que já tinha terminado O canhoto, e À procura era uma história curta, uma tentativa de re-escrita, que inclusive não deu certo. Rosinha em mais chances de dar certo, porque está mais próxima do tipo de história que eu costumo contar, com conflitos sociais e não psicológicos (eu-comigo, como era o caso em À procura); com uma série de eventos a contar, num largo correr de anos. A história começa no século XIX, com a vinda dos imigrantes italianos para o Brasil, mas eu só me aproximo para detalhar em 1913, e a história termina em 1928. Então tenho muito a contar, do jeito que eu gosto.

Será um ano de trabalho intenso e, portanto, de muita satisfação, e vocês poderão acompanhar tudo aqui mesmo, sempre nos dias 1, 11 e 21.

Outros textos interessantes

Um pouco sobre mim

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Mestre em História e Crítica da Arte pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Dedica-se à literatura desde 1985, escrevendo principalmente romances. É Membro Correspondente da Academia Brasileira de Poesia - Casa Raul de Leoni desde 1998 e Membro Titular da Academia de Letras de Vassouras desde 1999. Publicou oito romances, além de contos e poesias em antologias. Desde junho de 2009 publica em seu blog textos sobre seu processo de criação e escrita, e curiosidades sobre suas histórias. Em 2015, uniu-se a mais 10 escritores e juntos formaram o canal Apologia das Letras, no Youtube, para falar de assuntos relacionados à literatura.

Quer falar comigo? É aqui mesmo.

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