domingo, 21 de novembro de 2010

LORENZO

Essa personagem foi um acidente de percurso no processo de re-escrita que resultou em O Canhoto. Diferente de Juan Miguel, que foi previsto e planejado, Lorenzo simplesmente aconteceu, apareceu, e de repente eu tive que decidir um destino para ele. Como hoje estou mais atenta a meu processo de criação, entendi o significado de Lorenzo quando ainda estava escrevendo a história.

Logo que ele apareceu, chamei-o de Giovanni, mas isso o colocaria a par dos três “joãos” da história, e essa não era minha intenção. Então considerei a devoção da cidade de Gênova a São Lourenço – tanto que a igreja matriz é dedicada a ele, e dei à personagem o nome de Lorenzo, que devia ser um nome bem comum na cidade.

Lorenzo é um homem de quase 40 anos (bastante maduro para a época em que a história está ambientada), solteiro, genovês, que mora na subida de um dos morros que cercam a cidade de Gênova. Ele é sustentado pela família, que o isolou ali porque a convivência dele com o resto do mundo era insuportável, pois Lorenzo tem deficiência no desenvolvimento mental, o que o faz ser comparado a uma criança de 5 anos.

Ele poderia ter passado toda a vida ali, na subida do morro, sem que ninguém soubesse dele. Mas ele entra na história quando Miguel precisa acomodar o cavalo de Nicolaas. Como o cavalo de Miguel é um guerreiro bem treinado, achei que não seria correto Miguel deixá-lo solto para se perder ou ser roubado. Na casa dele também não cabia. Então aparece essa figura que mora numa área não habitada da cidade e que faz o favor de tomar conta do cavalo de Miguel – e depois do cavalo de Nicolaas, que ele treina para a guerra como Miguel ensinou. Era uma necessidade da trama, sem dúvida, mas era também uma necessidade do meu inconsciente. Ele poderia ter qualquer conjunto de características – já que era uma personagem nova, sem importância, e que sairia da história antes do final. O que me fez decidir que ele teria uma deficiência?

Lorenzo foi inventado para cuidar do cavalo de Miguel e continuar em Gênova quando Miguel e Nicolaas fossem para a Cruzada, saindo assim da história. De repente, percebi que ele tinha gostado de ser útil, e não se contentaria em continuar sendo apenas “um retardado que mora na subida do morro”. De repente eu vi Nicolaas considerando a possibilidade de levá-lo à Terra Santa, como escudeiro e treinador dos cavalos. Vi Nicolaas louvar Miguel por ter ensinado ao retardado um ofício (treinar cavalos de guerra), e argumentar que, embora lento, Lorenzo era capaz, sim, de aprender e fazer coisas bem feitas. Miguel não teve muita escolha senão levá-lo, dando a ele a chance de ter uma nova vida, integrado à sociedade, com um ofício útil e a esperança de construir uma família e de viver como qualquer pessoa.

Nossa sociedade atual ainda é muito exclusiva (no sentido de “que exclui”). Evita o que é diferente, não aceita o que não consegue compreender, tem medo do que não pode controlar. Pessoas com deficiência são diferentes, incompreendidas e, às vezes, incontroláveis. Por isso estão sujeitas a todo tipo de pré-conceito de uma sociedade que, se pudesse, muitas vezes os desejaria isolados “na subida do morro”, de forma que não atrapalhem o desenvolvimento das atividades das pessoas “normais”, não constranjam as pessoas próximas com suas atitudes “esquisitas”, “inexplicáveis”, e sua aparência “alienígena” e às vezes “dismórfica”.

Lorenzo é minha segunda personagem deficiente (a primeira era uma moça cega numa história descartada), considerando que ser canhoto hoje em dia é apenas ser diferente da maioria (embora Nicolaas se considere deficiente por ser canhoto), e aparece num momento importante da minha vida, em que eu enfrentava a aceitação do autismo da minha filha, na época com quatro anos. As questões pontuais são diferentes entre Lorenzo e Maria Clara, mas a atitude de Miguel é a minha: aceitar a diferença e estimular o desenvolvimento pleno da pessoa, oferecendo oportunidades de aprendizagem e experiências de amadurecimento. Como fez Miguel com Lorenzo, espero também conseguir ensinar Maria Clara a integrar-se na sociedade e ter uma vida independente, em que sonhos podem ser sonhados e, quem sabe, alcançados.

Será que terei outras personagens deficientes? Será que terei alguma personagem autista? Não sei. Isso é algo que só meu inconsciente saberá dizer, e eu (consciente) só vou saber quando acontecer. Por outro lado, Maria Clara pode vir representada em qualquer tipo de personagem, pois o que está em jogo, nessas alegorias simbólicas que meu inconsciente cria, não é a caracterização exata, mas algum tipo de atitude (no caso de Lorenzo, é a aceitação e os ensinamentos de Miguel), um papel social, um relacionamento, às vezes um simples gesto – é o que permite que uma mesma personagem represente diferentes pessoas e papéis sociais da minha vida real.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

HISTÓRIA NOVA

Eu sei que não tenho tempo para escrever. Eu não posso parar tudo para escrever. Mas está começando a ficar difícil me conter.

Meu trabalho no Patrimônio Nacional atualmente é a pesquisa do ecletismo em São Paulo, para embasar processos de tombamento já abertos de prédios com essa característica. Estou portanto lendo muito sobre o ecletismo na Europa, no Brasil e especialmente em São Paulo. E o ecletismo chegou a São Paulo junto com o café, nas fazendas do Vale do Paraíba, e depois do Vale do Tietê para, por fim, formar as casas da classe abastada da capital. É impossível não ver as minhas personagens caminhando pelo livro que acabei de ler (A casa paulista, de Carlos A. C. Lemos), pois a história começa numa fazenda de café no interior do estado – provavelmente na região de Campinas – e migra para a capital, e boa parte dela acontece dentro de uma residência eclética. Acho que é a primeira vez que meu trabalho “de verdade” me ajuda nas pesquisas para uma história minha. Até nisso o Iphan é bom para mim.

Eu estava tendo dificuldade para escolher o nome da personagem principal masculina, como comentei nesse texto. Mas, quando lembrei que a família dele é de descendentes de italianos – como eu mesma – eu pude pensar como é a vida dos meus parentes que vivem na colônia, e rapidamente compreendi como será a infância das personagens principais. E encontrei também uma oportunidade de homenagear meu nonno, dando o nome e o apelido dele à minha personagem. Tenho que refazer as cenas usando o nome novo, para ver se funciona. As tentativas foram bem sucedidas até agora, mas é preciso testar as cenas mais densas. Se funcionar, o casal principal terá os nomes do meu nonno e da minha nonna. Embora sejam todos descendentes de italianos nascidos no Brasil – meus avós e minhas personagens – as histórias são muito diferentes.

Essa pesquisa que estou fazendo da arquitetura já me informa sobre aspectos da sociedade, da economia e da cultura da época. Depois terei que ler sobre a história de São Paulo, e ver alguns detalhes específicos, como imigração italiana e a industrialização na década de 1920. Já que a história deve acontecer em São Paulo no início do século XX, não resisto levar minhas personagens à Semana de Arte Moderna – e terei que rever toda a programação. É uma forma que tenho de também estar presente aos grandes momentos da história da arte, e participar das polêmicas e dos debates.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

O CISNE

Esse conto é uma fábula, uma fantasia, um conto-de-fadas, sei lá. Não se parece com as coisas que eu escrevo, que têm o pé no chão, contexto histórico, tempo cronológico. Não. O cisne se passa em algum lugar, num tempo passado indefinido. Em dois parágrafos o menino vira homem e logo depois está cercado de filhos. É uma história cheia de símbolos. Alguns eu compreendo; outros, não. É uma história simples e ingênua, mas rica em significados.

Tudo começou com um sonho que eu não lembro mais. Havia um menino e cisnes voando. O menino era triste porque não conhecia sua mãe. Eu quis ajudá-lo e escrevi a história.

Há algum tempo atrás, eu tinha vários contos para publicar um livro. Mas eles vão morrendo com o passar dos anos, à medida que eu vou percebendo suas inconsistências (escrever contos não é o meu forte). O cisne vem sobrevivendo pois, por suas características de conto-de-fadas, não há nele inconsistências, apenas símbolos. Meu projeto de publicação para ele, hoje, agrupa-o com outro conto, os textos de prosa poética e as poesias – todos sobreviventes de um processo de seleção rígido.

É difícil falar das características de um conto sem estragar as surpresas da história. Então paro por aqui.

LABIRINTO VITAL

Este conto é uma alegoria. Fala simbolicamente da vida, da morte, dos relacionamentos interpessoais, da busca do sentido da vida, do papel da arte e do artista na construção do conhecimento humano. Não me lembro mais de onde veio a idéia de escrever um texto desses, pois não é o tipo de história característica do meu estilo. Talvez influência de Jorge Luís Borges, pelas falas aparentemente sem sentido, e encontros plenos de significado, quando as personagens concluem o que é óbvio para elas mas esse óbvio permanece obscuro para o leitor; pelos reflexos; pelo branco de diferentes tons; pelo final que se constrói somente na imaginação do leitor.

As personagens deste conto não têm nome, e o ambiente, por ser metafórico (labirinto), não existe no mundo em que nós vivemos. O tempo poderia ser psicológico, uma vez que absolutamente não é cronológico, se não fosse também totalmente simbólico.

Em resumo, é uma história bastante peculiar, em que não me importa o desenvolvimento das personagens, mas as idéias que pretendo transmitir.

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Um pouco sobre mim

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Mestre em História e Crítica da Arte pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Dedica-se à literatura desde 1985, escrevendo principalmente romances. É Membro Correspondente da Academia Brasileira de Poesia - Casa Raul de Leoni desde 1998 e Membro Titular da Academia de Letras de Vassouras desde 1999. Publicou oito romances, além de contos e poesias em antologias. Desde junho de 2009 publica em seu blog textos sobre seu processo de criação e escrita, e curiosidades sobre suas histórias. Em 2015, uniu-se a mais 10 escritores e juntos formaram o canal Apologia das Letras, no Youtube, para falar de assuntos relacionados à literatura.

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