terça-feira, 21 de dezembro de 2010

DE ONDE VÊM AS IDÉIAS?


Estava revendo minha listagem geral, onde estão registradas todas as 307 histórias criadas nos meus mais de 25 anos de carreira, e observei como as tramas são variadas, os locais de ambientação, as épocas escolhidas e eu mesma me perguntei: “caramba, de onde eu tiro tantas idéias diferentes?” Essa é uma pergunta que não é fácil responder. As idéias vêm de toda parte, e de lugar nenhum ao mesmo tempo. Elas parecem já estar dentro de mim e, de repente, com o estímulo certo, elas brotam, como se explodissem, chegam à tona e se tornam reais. Essa resposta na verdade não resolve a questão, que passa a ser “que tipo de estímulo é o certo?” O que me faz juntar certos elementos e construir com eles uma história?

Bem, algumas idéias me vêm em sonhos. São sonhos reais, vívidos, que me impressionam de alguma forma e já vêm prontos – as personagens, os temas, a trama básica, indicações de ambientação. Meu trabalho é só organizar a estrutura, completar eventuais lacunas do que foi dado, acrescentar elementos secundários e acessórios (por exemplo, personagens secundárias, estação do ano, outros temas relacionados) e o escrever propriamente dito, que é quando tudo se entrelaça e a história nasce de fato. Esse processo aconteceu com O Aro de Ouro, O maior de todos, Vingança, Primeiro a honra, O cisne, Rosinha, O processo de Ser, O Além.

Às vezes é uma experiência significativa, num momento determinado. Um exemplo é Nem tudo que brilha..., que nasceu quando, após ler o conto O barril de amontilado, de Edgar Alan Poe, eu abri uma janela de madeira no prédio de aulas da Escola de Música da UFRJ e ela tinha sido fechada por fora com tijolos. Eu já estava envolvida com os emparedamentos de Poe, por isso foi muito impressionante para mim aquela janela emparedada. Então aconteceu a história do casal inocente que se envolve nos mistérios de uma casa, onde aconteceu um assassinato (eles não sabem). Aos poucos, eles vão se envolvendo com os fatos que descobrem e, de repente, a história da casa pode se repetir com eles. Como na Escola de Música, há pela casa janelas que não se abrem e estruturas misteriosas. Como em Poe, há, com as devidas adaptações, Montresor e Fortunato, claustrofobia, e uma espécie de vingança pelo não-feito.

Às vezes, a ideia vem porque fico pensando “como seria se”, ou “como teria sido para alguém viver tal situação”. Foi o que gerou, por exemplo, Construir a terra, conquistar a vida, que é a união de duas idéias. A primeira foi a conjectura “como teria sido a vida dos primeiros degredados portugueses que vieram para o Brasil?”A segunda ideia buscava imaginar “como deve ter sido para um europeu estar no Brasil, tão longe de sua terra e sua gente, com a perspectiva de nunca mais sair daqui?” Duarte nasceu para ter esses sentimentos e me dar as respostas às minhas indagações.

E há também os testes de possibilidades de combinação, em que eu invento as personagens, uma situação para elas se encontrarem e vou ajustando a caracterização à medida que vou vendo aonde os elementos me levam. Não deixam de ser o tipo “como seria se”, só de uma forma mais aberta. São assim A noiva trocada, Fábrica, Pelo poder ou pela honra, À procura.

Tudo isso são estopins de coisas que estão sempre em formação dentro de mim. Os temas são recorrentes, as questões abordadas são sempre as mesmas, expressas de formas diferentes, com roupagens diferentes mas a mesma essência. Então, na verdade, mesmo fazendo um texto detalhado, essa questão sobre de onde vêm as idéias não tem de fato uma resposta. Minha escrita não é a aplicação de uma fórmula pronta, mas é processo, é amadurecimento, é a expressão do meu eu e da minha vida.

sábado, 11 de dezembro de 2010

LÍNGUAS ARCAICAS / TU x VOCÊ

Escrevo este texto a partir de uma pergunta que me foi feita no Fórum do Recanto das Letras, sobre o uso do bantu num romance histórico ambientado no Brasil do século XVIII, com personagens africanas ou descendentes. Na resposta que eu dei, procurei focar nos aspectos mais objetivos, mas aqui posso me estender em exemplos e citações.
Em primeiro lugar, não acho que seja uma necessidade o autor contextualizar também a língua, para que a história esteja bem contextualizada. Por outro lado, é um fator facilitador para o autor, e uma espécie de brinde para o leitor, como uma cereja num doce. Usar formas antigas da língua requer uma pesquisa específica, de filologia histórica. E só vale para histórias ambientadas em países que têm a mesma língua em que a história será escrita. Ou seja, é inútil eu usar português arcaico numa história que se passa em local que não fala português. Não acrescenta nada em contextualização eu fazer Nicolaas dizer “asinha”. Já Duarte pedir que Fernão faça alguma coisa, acrescentando “asinha” faz todo sentido e dá à história o sabor de arcaísmo que eu estou tentando evocar (“asinha” quer dizer “rápido”). Quando o local escolhido é um país que não fala português, meu único cuidado lingüístico é não usar gírias nem expressões coloquiais, e assim a linguagem fica formal, talvez em excesso, considerando que eles deviam ter expressões coloquiais. Mas descobrir as expressões coloquiais de outros povos em outras épocas e como traduzi-las corretamente para o português, de forma que sejam a expressão original e façam sentido em português é uma pesquisa muito específica e foge aos meus propósitos, que são apenas de contar uma história e contextualizá-la da forma mais verossímel possível. Não pretendo servir de fonte a pesquisas lingüísticas.
Quando fui escrever Construir a terra, conquistar a vida, resolvi que usaria a linguagem da época, tanto quanto não comprometesse a compreensão do leitor, sem que eu precisasse construir um glossário. A pesquisa foi mais longa do que a escrita e é algo que terei ainda que revisar. Aproveitei também a oportunidade para entrar em contato com o tupi, pois tenho Ayraci, uma personagem Tamuya (adoto a grafia registrada por José de Anchieta). Ela fala algumas palavras e frases em tupi, que são logo traduzidas, mas, quando precisei fazer um diálogo inteiro, preferi escrever em português, e apenas informar que o diálogo estava acontecendo em tupi, privilegiando a compreensão do leitor.
Acho que utilizar a língua como era na época ajuda o autor a contextualizar, e ajuda o leitor a entrar “no clima” da história, mas não é uma necessidade. O autor pode conseguir os mesmos objetivos sem utilizar a língua histórica. Tudo vai depender da habilidade dele, seja para usar a língua antiga, seja para dar clima de antiguidade sem usar a gramática e o vocabulário antigos. Quando eu estava escrevendo Construir a terra, conquistar a vida, toda hora eu consultava a parte de informação histórica do Dicionário Houaiss (que me foi gentilmente oferecido pela Gerente de Patrocínio da Petrobras à época). Eu queria escrever “garoto”, palavra que só aparece escrita no século XIX – portanto não me serve, pois não devia ser de uso corrente no século XVI. Então mudei para “moleque”, que tem registro escrito no século XVIII, mas é de origem africana, e os africanos estavam apenas chegando no Brasil, portanto ainda não influenciariam tanto a língua, a ponto de um português de Lisboa usar o neologismo. Fiquei então com “fedelho” que, embora tenha certa conotação pejorativa de imaturidade, é uma palavra da época (escrita desde o século XVI) e de origem portuguesa. Aí o tempo passou e eu quis escrever “prostituta”, que só começa a aparecer por escrito no século XIX, então fiquei mesmo com a antiga “meretriz” (do século XIV), que atendeu meus propósitos. Além disso, recolhi palavras e expressões especialmente de Gil Vicente, escritor para o povo, e também de Camões, e vou ver como acrescentar ao texto de forma que não prejudiquem a compreensão.
Sempre que vou escrever uma história ambientada no passado, paro para pensar se vou escrever os diálogos em segunda ou terceira pessoa (“tu” ou “você”). Como no Brasil é raro usarmos coloquialmente a segunda pessoa, às vezes opto por ela para caracterizar a antiguidade. Fiz isso em O maior de todos mas não nos outros publicados. Na época em que escrevi O destino pelo vão de uma janela, eu costumava alternar o uso da segunda e da terceira pessoa conforma o contexto da cena, usando a terceira nas situações normais e reservando a segunda para denotar intimidade. Meus romances ambientados no Brasil do século XIX são escritos em terceira pessoa, pois é justamente quando o Vossa Mercê estava se tornando você; mas nas conversas familiares às vezes uso a segunda pessoa, nessa idéia de denotar intimidade.
Na hora de re-escrever O canhoto, pensei em repetir o que fiz em O maior de todos e escrever tudo em segunda pessoa, mas uma das falas que eu queria aproveitar de Mosteiro era a despedida de Ester, quando ela diz “amo você, quero você, preciso de você”. Achei que não teria a mesma força na segunda pessoa, então, por causa de uma frase, escrevi toda a história em terceira pessoa. Cheguei a pensar em fazer os monges usarem a segunda pessoa, mas achei que seria muito forçado, como se a pessoa deixasse de ser o que é, deixasse para trás seus hábitos só porque se tornou monge, então meus monges usam a terceira pessoa como todas as outras personagens.
Tudo fica mais fácil ao se ambientar uma história no Brasil atual, quando esse cuidado na escolha das palavras e expressões não é necessário, pois vou mesmo usar o português atual em terceira pessoa. Mas aí que graça tem?

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

SEGREDOS NAS HISTÓRIAS

Às vezes eu me vejo em situações complicadas na hora de escrever esses textos que publico aqui. Percebi que cito mais umas histórias do que outras, e estou tentando equilibrar essas contas mas não é tão simples como pensei.

É muito mais fácil falar de histórias longas, romances de mais de 200 páginas, pois são histórias com mais personagens, mais eventos, mais temas trabalhados, mais assunto para falar. Tratar de contos é difícil, pelas próprias características do conto: poucas personagens, trama simples, ambientação simples. Acabo não tendo muito o que dizer. Há histórias também que eu tenho que ter cuidado ao me referir, pois têm segredos que eu não gostaria de revelar antes da hora. É o caso de O destino pelo vão de uma janela, Pelo poder ou pela honra, O aro de ouro, Nem tudo que brilha..., O Cisne, O maior de todos, Vingança. Mesmo quando a história não tem grandes segredos, os caminhos da trama não devem ser contados em detalhes para não tirar do leitor a surpresa de descobrir certas coisas junto (ou antes!) da personagem. Então também por isso eu cito mais umas histórias do que outras. Pelo poder ou pela honra, por exemplo, é um problema para mim, pois há certos detalhes na caracterização das personagens que são decisivos na disputa entre os irmãos. Mantenho o mistério na página 1 mas começo a dar as informações a partir da página 2. Então, se eu for falar da história em geral, vou acabar revelando alguns segredos, e o trabalho que tive para ir entregando as informações em doses homeopáticas terá sido em vão. Então eu cito pouco essa história não por não gostar dela, mas porque eu não quero entregar os segredos que eu inventei para ela. O que posso dizer é que é uma história confusa, como o momento que eu estava vivendo. Consegui decifrar alguns símbolos, que me fizeram entender como o meu inconsciente sentiu aquele ano de 1993. E é só o que posso falar dela. O máximo de detalhes que posso contar já está na sinopse da história e no pequeno trecho que disponibilizei.

Enquanto isso, fico eu aqui inventando textos genéricos, que falam mais do processo do que das histórias em si, para não contar os segredos que minhas personagens guardam com tanto empenho.

domingo, 21 de novembro de 2010

LORENZO

Essa personagem foi um acidente de percurso no processo de re-escrita que resultou em O Canhoto. Diferente de Juan Miguel, que foi previsto e planejado, Lorenzo simplesmente aconteceu, apareceu, e de repente eu tive que decidir um destino para ele. Como hoje estou mais atenta a meu processo de criação, entendi o significado de Lorenzo quando ainda estava escrevendo a história.

Logo que ele apareceu, chamei-o de Giovanni, mas isso o colocaria a par dos três “joãos” da história, e essa não era minha intenção. Então considerei a devoção da cidade de Gênova a São Lourenço – tanto que a igreja matriz é dedicada a ele, e dei à personagem o nome de Lorenzo, que devia ser um nome bem comum na cidade.

Lorenzo é um homem de quase 40 anos (bastante maduro para a época em que a história está ambientada), solteiro, genovês, que mora na subida de um dos morros que cercam a cidade de Gênova. Ele é sustentado pela família, que o isolou ali porque a convivência dele com o resto do mundo era insuportável, pois Lorenzo tem deficiência no desenvolvimento mental, o que o faz ser comparado a uma criança de 5 anos.

Ele poderia ter passado toda a vida ali, na subida do morro, sem que ninguém soubesse dele. Mas ele entra na história quando Miguel precisa acomodar o cavalo de Nicolaas. Como o cavalo de Miguel é um guerreiro bem treinado, achei que não seria correto Miguel deixá-lo solto para se perder ou ser roubado. Na casa dele também não cabia. Então aparece essa figura que mora numa área não habitada da cidade e que faz o favor de tomar conta do cavalo de Miguel – e depois do cavalo de Nicolaas, que ele treina para a guerra como Miguel ensinou. Era uma necessidade da trama, sem dúvida, mas era também uma necessidade do meu inconsciente. Ele poderia ter qualquer conjunto de características – já que era uma personagem nova, sem importância, e que sairia da história antes do final. O que me fez decidir que ele teria uma deficiência?

Lorenzo foi inventado para cuidar do cavalo de Miguel e continuar em Gênova quando Miguel e Nicolaas fossem para a Cruzada, saindo assim da história. De repente, percebi que ele tinha gostado de ser útil, e não se contentaria em continuar sendo apenas “um retardado que mora na subida do morro”. De repente eu vi Nicolaas considerando a possibilidade de levá-lo à Terra Santa, como escudeiro e treinador dos cavalos. Vi Nicolaas louvar Miguel por ter ensinado ao retardado um ofício (treinar cavalos de guerra), e argumentar que, embora lento, Lorenzo era capaz, sim, de aprender e fazer coisas bem feitas. Miguel não teve muita escolha senão levá-lo, dando a ele a chance de ter uma nova vida, integrado à sociedade, com um ofício útil e a esperança de construir uma família e de viver como qualquer pessoa.

Nossa sociedade atual ainda é muito exclusiva (no sentido de “que exclui”). Evita o que é diferente, não aceita o que não consegue compreender, tem medo do que não pode controlar. Pessoas com deficiência são diferentes, incompreendidas e, às vezes, incontroláveis. Por isso estão sujeitas a todo tipo de pré-conceito de uma sociedade que, se pudesse, muitas vezes os desejaria isolados “na subida do morro”, de forma que não atrapalhem o desenvolvimento das atividades das pessoas “normais”, não constranjam as pessoas próximas com suas atitudes “esquisitas”, “inexplicáveis”, e sua aparência “alienígena” e às vezes “dismórfica”.

Lorenzo é minha segunda personagem deficiente (a primeira era uma moça cega numa história descartada), considerando que ser canhoto hoje em dia é apenas ser diferente da maioria (embora Nicolaas se considere deficiente por ser canhoto), e aparece num momento importante da minha vida, em que eu enfrentava a aceitação do autismo da minha filha, na época com quatro anos. As questões pontuais são diferentes entre Lorenzo e Maria Clara, mas a atitude de Miguel é a minha: aceitar a diferença e estimular o desenvolvimento pleno da pessoa, oferecendo oportunidades de aprendizagem e experiências de amadurecimento. Como fez Miguel com Lorenzo, espero também conseguir ensinar Maria Clara a integrar-se na sociedade e ter uma vida independente, em que sonhos podem ser sonhados e, quem sabe, alcançados.

Será que terei outras personagens deficientes? Será que terei alguma personagem autista? Não sei. Isso é algo que só meu inconsciente saberá dizer, e eu (consciente) só vou saber quando acontecer. Por outro lado, Maria Clara pode vir representada em qualquer tipo de personagem, pois o que está em jogo, nessas alegorias simbólicas que meu inconsciente cria, não é a caracterização exata, mas algum tipo de atitude (no caso de Lorenzo, é a aceitação e os ensinamentos de Miguel), um papel social, um relacionamento, às vezes um simples gesto – é o que permite que uma mesma personagem represente diferentes pessoas e papéis sociais da minha vida real.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

HISTÓRIA NOVA

Eu sei que não tenho tempo para escrever. Eu não posso parar tudo para escrever. Mas está começando a ficar difícil me conter.

Meu trabalho no Patrimônio Nacional atualmente é a pesquisa do ecletismo em São Paulo, para embasar processos de tombamento já abertos de prédios com essa característica. Estou portanto lendo muito sobre o ecletismo na Europa, no Brasil e especialmente em São Paulo. E o ecletismo chegou a São Paulo junto com o café, nas fazendas do Vale do Paraíba, e depois do Vale do Tietê para, por fim, formar as casas da classe abastada da capital. É impossível não ver as minhas personagens caminhando pelo livro que acabei de ler (A casa paulista, de Carlos A. C. Lemos), pois a história começa numa fazenda de café no interior do estado – provavelmente na região de Campinas – e migra para a capital, e boa parte dela acontece dentro de uma residência eclética. Acho que é a primeira vez que meu trabalho “de verdade” me ajuda nas pesquisas para uma história minha. Até nisso o Iphan é bom para mim.

Eu estava tendo dificuldade para escolher o nome da personagem principal masculina, como comentei nesse texto. Mas, quando lembrei que a família dele é de descendentes de italianos – como eu mesma – eu pude pensar como é a vida dos meus parentes que vivem na colônia, e rapidamente compreendi como será a infância das personagens principais. E encontrei também uma oportunidade de homenagear meu nonno, dando o nome e o apelido dele à minha personagem. Tenho que refazer as cenas usando o nome novo, para ver se funciona. As tentativas foram bem sucedidas até agora, mas é preciso testar as cenas mais densas. Se funcionar, o casal principal terá os nomes do meu nonno e da minha nonna. Embora sejam todos descendentes de italianos nascidos no Brasil – meus avós e minhas personagens – as histórias são muito diferentes.

Essa pesquisa que estou fazendo da arquitetura já me informa sobre aspectos da sociedade, da economia e da cultura da época. Depois terei que ler sobre a história de São Paulo, e ver alguns detalhes específicos, como imigração italiana e a industrialização na década de 1920. Já que a história deve acontecer em São Paulo no início do século XX, não resisto levar minhas personagens à Semana de Arte Moderna – e terei que rever toda a programação. É uma forma que tenho de também estar presente aos grandes momentos da história da arte, e participar das polêmicas e dos debates.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

O CISNE

Esse conto é uma fábula, uma fantasia, um conto-de-fadas, sei lá. Não se parece com as coisas que eu escrevo, que têm o pé no chão, contexto histórico, tempo cronológico. Não. O cisne se passa em algum lugar, num tempo passado indefinido. Em dois parágrafos o menino vira homem e logo depois está cercado de filhos. É uma história cheia de símbolos. Alguns eu compreendo; outros, não. É uma história simples e ingênua, mas rica em significados.

Tudo começou com um sonho que eu não lembro mais. Havia um menino e cisnes voando. O menino era triste porque não conhecia sua mãe. Eu quis ajudá-lo e escrevi a história.

Há algum tempo atrás, eu tinha vários contos para publicar um livro. Mas eles vão morrendo com o passar dos anos, à medida que eu vou percebendo suas inconsistências (escrever contos não é o meu forte). O cisne vem sobrevivendo pois, por suas características de conto-de-fadas, não há nele inconsistências, apenas símbolos. Meu projeto de publicação para ele, hoje, agrupa-o com outro conto, os textos de prosa poética e as poesias – todos sobreviventes de um processo de seleção rígido.

É difícil falar das características de um conto sem estragar as surpresas da história. Então paro por aqui.

LABIRINTO VITAL

Este conto é uma alegoria. Fala simbolicamente da vida, da morte, dos relacionamentos interpessoais, da busca do sentido da vida, do papel da arte e do artista na construção do conhecimento humano. Não me lembro mais de onde veio a idéia de escrever um texto desses, pois não é o tipo de história característica do meu estilo. Talvez influência de Jorge Luís Borges, pelas falas aparentemente sem sentido, e encontros plenos de significado, quando as personagens concluem o que é óbvio para elas mas esse óbvio permanece obscuro para o leitor; pelos reflexos; pelo branco de diferentes tons; pelo final que se constrói somente na imaginação do leitor.

As personagens deste conto não têm nome, e o ambiente, por ser metafórico (labirinto), não existe no mundo em que nós vivemos. O tempo poderia ser psicológico, uma vez que absolutamente não é cronológico, se não fosse também totalmente simbólico.

Em resumo, é uma história bastante peculiar, em que não me importa o desenvolvimento das personagens, mas as idéias que pretendo transmitir.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

DESCARTEI

Resolvi finalmente descartar o conto História do Mundo. Passou bastante tempo suspenso e eu não encontrei como solucionar seus problemas estruturais. Descartar sempre dói, é uma espécie de última alternativa, quando nada mais funciona. Ao mesmo tempo que o clima é de morte, cabe a frase de Lavoisier: “nada se perde”. Os temas abordados permanecerão na minha mente e talvez venham a ser re-elaborados e retrabalhados em outra história.
Essas categorias “sobrevivente”, “suspensa”, “descartada” são muito flexíveis, e as histórias passam de uma a outra facilmente. Basta eu querer escrever para ser “sobrevivente”; basta eu desistir de escrever para ser “descartada”. Quando eu gosto mas há algo que não consigo resolver, fica “suspensa”. Se eu leio e gosto, é “sobrevivente”; se eu leio e não gosto, é “descartada”. Como estou sempre revendo meus textos e minhas listagens, as histórias têm muitas chances de movimentação até chegarem à publicação, quando se tornam de fato VIVAS.
Há uma outra história oscilando entre a vida e a morte: Um dia, depois. Considerando meu espírito crítico atual, vou continuar concordando com o contista que me convenceu a parar de escrever contos, pois um conto precisa de uma trama – não basta uma cena, mesmo que esteja bem-feita – e vou manter essa história descartada. Desta forma, me restam apenas dois contos: O cisne e Labirinto vital, já que O Além terá tratamento diferenciado, sendo publicado com ilustrações. Pelas características deles, não devem ser descartados. Mas também não posso fazer um livro com apenas dois contos curtos. Por isso resolvi juntá-los aos poemas e a outros textos curtos em prosa, que eu chamo de “peças curtas”, porque não são poemas, não são contos, não são crônicas. Todos são narrativos e contam uma história curta, ou são o pensamento de alguma personagem, ou algum tipo de depoimento pessoal ou desabafo. Difícil descrever. Em geral, são escritos em primeira pessoa (“Eu agonizava sobre o leito”, “Eu nasci sob essa árvore”, “Nascemos no mesmo dia, na mesma hora”, etc) ou é alguém falando com esse “eu” (“Vá se despir de tudo e volte para mim”), ou ainda uma descrição de cena (“Cercada pelo fogo, a vida se faz fora daqui”, “Com que coragem tu te atira na aurora!”). Há também dois diálogos, duas cenas, portanto, mas que não configuram um conto por não haver enredo, nem tempo, nem espaço, nem caracterização das personagens. Utilizei a forma de diálogo para apresentar idéias minhas. Começam assim:
1) “- Estou deprimida –ela diz ao companheiro.
- Por quê? –pergunta preocupado.
- Minha vida está no fim e eu não morri. Tanto que eu queria... Vou morrer frustrada por não ter morrido.”
2) “- Trouxe seu chá.
- Tem gosto?
- Provavelmente.
- Então não quero. Cansei desse prazer fútil. Agora descobri que o prazer que quero é o da cessação.”
São idéias meio malucas, concordo, mas eu prefiro dizer que são cenas surrealistas, alegóricas, simbólicas. Expressam o que eu penso? Não, expressam o que eu pensei quando as criei. Nem sempre eu concordo com minhas personagens. Não preciso concordar. Não preciso acreditar nos sentimentos e nas idéias que eu ponho no papel. De fato, a única coisa em que eu realmente acredito é na existência real das minhas personagens fictícias. Quando eu digo “Duarte morava aqui” ou “Nicolaas passou por essa cidade”, eu preciso de alguns segundos para lembrar de que eles nunca viveram de verdade e que é por isso que os livros de História da Civilização não registram os nomes deles nem o que eles fizeram.
Descartar uma história, qualquer que seja, é doloroso e emocionalmente complicado, mas também é bom, porque é um peso que eu tiro da minha cabeça; é uma coisa a menos com que preciso me preocupar, um problema a menos para resolver. Sei que meu inconsciente continua trabalhando nos temas e, se for necessário, eles vão reaparecer em outra história, ou os problemas serão solucionados e eu saberei como reescrever a mesma história. Não há dificuldade que meu inconsciente não saiba resolver, com sonhos e processos simbólicos, então é melhor deixar ele resolver sozinho, em vez de ficar tentando encontrar uma solução consciente e racional.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

NOVOS PROJETOS

Este ano, estou envolvida com muita coisa ao mesmo tempo, e está difícil dar conta de tudo. Além do meu trabalho com o Patrimônio Nacional, meu ganha-pão, e da minha vida pessoal, em que me desdobro em atender a todos os meus papéis sociais dentro da família, tenho que cuidar da minha carreira literária. Estou inscrita em algumas comunidades e participo delas sempre que posso. Tenho também uma lista de blogs de amigos e de pessoas que conheci pela Internet e que eu gosto de acompanhar, além das redes sociais do Orkut, Facebook e Twitter. É tanta coisa que acabo tendo que reduzir minha participação. Este mês de outubro, estou revendo todas essas minhas inserções na Internet e reduzindo ao essencial, para que eu possa ser mais ativa em menos coisas. Não adianta apenas estar inscrita, é preciso usar e tirar bom proveito.

Estou também, desde maio, cuidando da publicação do meu sétimo romance – Primeiro a honra: finalizando o texto, cuidando dos registros, contato com editora, análise de custos, etc. Vamos ver se consigo lançar mês que vem (estou dizendo isso desde junho).

E Nicolaas, que saiu da pasta em abril e eu ainda estou digitando, devagar, quando tenho tempo. Já consegui passar da página 100, mas são ao todo 376 páginas, então tenho ainda muito o que digitar. Quando eu acabar, provavelmente será hora de começar a digitar À procura e O Além.

Tenho dois livros em ponto de fazer as pesquisas prévias e começar a escrever. Um é a história de Didier (ainda sem título), que vou fazer a quatro mãos com uma amiga. Estou esperando ela me passar as informações sobre as personagens e a estrutura da trama para estudar o contexto histórico e começar a escrever. Outro é Rosinha (também sem título), que já foi citada aqui. Falta-me pesquisar o contexto histórico para situar minha história dentro dele. Mas eu sei que, se eu começar a escrever, todo o resto se tornará secundário, então é algo que não posso fazer agora. A prioridade é a publicação, para que a fila ande – terminei de escrever Construir a terra, conquistar a vida em 2002, e ainda não chegou a vez dela. Então, dada a escassez de tempo, tenho que adiar a minha escrita. Enquanto isso, vou repetindo as cenas-chave à exaustão, testando possibilidades diferentes, marcando gestos e falas que devem ser mantidos.

É engraçado pensar que não tenho tempo para o que deveria ser minha atividade principal. Mas, dada a importância da literatura no país, e minhas circunstâncias financeiras pessoais, não tenho condições de terceirizar os serviços, então tenho que eu mesma revisar meus textos, diagramar, registrar, imprimir, divulgar, distribuir – coisas que, se eu fosse famosa, teria uma editora inteira para fazer para mim. Um parêntesis: perceberam que não inclui a digitação entre esses serviços que podem ser terceirizados? É que essa tarefa eu faço questão de fazer, como espaço para uma reescrita possível.

Então, enquanto eu não esquematizar (e cumprir) minhas participações na Internet, enquanto a publicação de Primeiro a honra não sair e eu não acabar de digitar Nicolaas, não posso nem pensar em voltar a escrever. Bem, pelo menos a parte da criação eu estou exercitando...

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

NOMES (E SOBRENOMES) DAS PERSONAGENS

A escolha do nome – e sobrenome, quando necessário – das personagens principais é uma etapa importante do trabalho e às vezes me toma bastante tempo de pesquisa e reflexão até a decisão final. A grande maioria dos nomes não foi escolhida arbitrariamente, só porque é um nome que acho bonito – como em geral fazemos com nossos filhos de carne e osso. Meu sentimento quanto ao nome das personagens é o critério menos importante. Muitos são nomes que eu não daria a um filho de carne e osso mas que combinam perfeitamente com a personalidade, as atitudes e o destino de determinada personagem.

A questão óbvia deve ser: o que eu levo em consideração, quais meus critérios para escolher tal nome para tal personagem? Devo dizer que variam muito, de acordo com a trama, o ambiente, os objetivos traçados. Os nomes, para mim, estão relacionados à personalidade da personagem. Por exemplo, acho que Cecília é um nome mimoso, delicado; então, se tenho uma personagem com essas características, posso dar a ela o nome de Cecília. Às vezes penso na personagem e dou a ela o primeiro nome que me vem à cabeça (se combinar com ela, é claro). Muitas personagens têm nomes baseados em personagens de outros autores e pessoas reais, numa espécie de homenagem que eu gosto de fazer. Talvez já seja possível imaginar que tenho um arquivo onde registro as motivações que tive para os nomes-homenagem das personagens.

Por escrever muito romance histórico, eu tenho ainda que me preocupar em verificar se o nome escolhido existia na época, ou se pelo menos é passível de existência, se segue o padrão dos nomes que existiam – como Rudbert, Atilde, Archibald, Rosala, Ailan, do romance Primeiro a Honra. São nomes que não necessariamente existiam, mas que contêm as partículas e seguem o padrão de sonoridade de nomes que existiam, e isso basta para que eu possa usá-los. Quando criei a história, o casal principal se chamava Philippe e Annelies mas, quando escolhi por ambiente o século V, tive que escolher nomes mais antigos, e o casal passou a se chamar Thierry e Rosala.

Quanto a sobrenomes, eu tenho o mesmo cuidado de escolher nomes tradicionais, pois têm mais chance de serem antigos. Procuro pessoas reais da época e, se precisar inventar, também procuro por partículas componentes (por exemplo, as formas de se dizer “filho de” nas diversas línguas), uso a procedência ou uma profissão, pois sei que os sobrenomes surgiram assim. Foi o que aconteceu em Amor de redenção: não encontrei referências a sobrenomes visigodos, então supus que eles não usavam – no máximo, devia ser Fulano Filho de Beltrano, então, minha personagem ficou sendo Ágila de Toledo (procedência).

Em geral, tenho dificuldade para encontrar nomes de mulher, pois a História da Civilização não registra mais do que rainhas, santas e, quando muito, mulheres e mães de reis. E, numa história com muitas personagens, como Construir a terra, conquistar a vida, eu precisava de muitos nomes. Nem o livro “Conquistadores e povoadores do Rio de Janeiro”, de Elysio de Oliveira Belchior, que comprei para a pesquisa, me ajudou nesse ponto. Então acabei usando todos os nomes que encontrei, chegando a repetir alguns (Isabel, Teresa), e usei também outros, de que não encontrei referência, mas que são possíveis de existir, pois eram usados em outros países em séculos mais antigos (Beatriz, Juliana, Clara).

Em O maior de todos, além desse problema dos nomes das mulheres, ainda tive a questão dos sobrenomes. A origem dessa história foi um sonho que tive (a cena da queda, no meio da trama) que incluía o Conde Curt Graf. Ora, o nome da personagem me exigia situar a história na Alemanha (no caso, por causa da época, em algum reino germânico). Minha dificuldade é que não sei alemão, nem tenho familiaridade com a sonoridade e a estrutura da língua. A questão que se apresentou foi: onde vou arranjar nome e sobrenome para todo mundo? A saída que encontrei foi trazer o reino de Durpoin para a região onde hoje fica a Alsácia, e aproveitar que tenho um pouco de familiaridade com o francês para inventar sobrenomes em francês. Dessa forma, as personagens se tornaram franco-germânicas, com o prenome em alemão (Curt, Karl) e o sobrenome em um francês germanizado (Legrant, Durpoin). Recorri aos compositores eruditos alemães para a escolha dos prenomes, e ajudou-me bastante Johann Sebastian Bach, com seus muitos filhos, alguns com mais de um prenome (Karl Phillip Emannuel, Johann Christian, Wilhelm Friedmann), suas filhas (Catharina Dorothea, Elisabeth Juliana) e sua mulher Anna Magdalena. Além de Bach, aproveitei os nomes de Beethoven e da família Schumann. Por causa da carência, não me preocupei em averiguar se os nomes existiam no século XIV. Usei também nomes bíblicos, que sempre são uma boa alternativa quando se precisa de prova de antiguidade (Joseph, Jacob, Peter).

Quando fui re-escrever O canhoto, precisei mudar o nome do protagonista, de Jean Michel Beauvans para Jan Nicolaas van de Linde. Já contei aqui como foi esse processo, e como o nome original ficou de herança para Juan Miguel Torres. Da composição dele também já tratei, neste outro texto. E, quando eu pensava que tinha resolvido todos os problemas, Miguel decidiu contar a Nicolaas um certo episódio da Cruzada, de que seu fiel cavalo tomava parte. Para o Espadachim Espanhol (ou leonês, para ser mais exata), seu cavalo de guerra não é apenas um cavalo, mas um companheiro leal, quase uma pessoa. Ora, um amigo desse porte não poderia ser chamado simplesmente de “meu cavalo”, mas tem que ter, não apenas um nome, mas um nome de guerreiro valente. Passei semanas procurando uma palavra ou uma expressão que fosse digna de um cavalo tão importante, e que soasse harmoniosa em espanhol. Fiquei satisfeita com o nome que encontrei e Miguel pôde contar sua história a Nicolaas com todos os detalhes. Quando Miguel e Nicolaas moravam na Itália, Lorenzo cuidava dos cavalos e os chamava simplesmente de Uno (o cavalo de Miguel) e Due (o cavalo de Nicolaas que, para minha sorte, não precisou de um nome, pois teria que ser em flamengo).

Estou agora trabalhando numa história ainda sem nome que chamo de Rosinha [editado: a história já foi escrita e se chama De mãos dadas]. O nome da personagem feminina está portanto definido, pois foi o nome que me veio no sonho e, em geral, eu não discuto com meus sonhos, apenas acrescento, melhoro, incremento, mas procuro aproveitar da forma mais pura possível o material que me foi dado pelo Inconsciente. Então, se no sonho, o nome da moça era Rosinha, esse será o nome da personagem. Mas o nome do par dela não me foi dado, e estou tendo dificuldade para decidir. Quero um nome curto e forte, pois ele terá decisões difíceis a tomar. Já tentei Marcos, André, Paulo, mas na hora dos diálogos, o nome me foge da memória, o que significa que ainda não cheguei à melhor possibilidade. Às vezes eu o chamo de Pedro, mas é um nome que eu procuro evitar, pois é o nome comum dos exercícios de criação (aquelas histórias que eu faço sem compromisso), baseado nas minhas bonecas de papel. Mas, se eu não encontrar outro nome que funcione, terá que ficar mesmo esse. Estou quase escrevendo essa história. Só me falta mesmo tempo de fazer a pesquisa de ambientação (São Paulo, década de 1920).

terça-feira, 21 de setembro de 2010

QUANTO TEMPO ENTRE TERMINAR UMA HISTÓRIA E COMEÇAR OUTRA?

A resposta a essa pergunta é muito simples: algumas horas, não mais do que um dia. Sou viciada em criar, então, assim que termino uma história já começo a pensar em outra. Sou como aquele fumante que acende um cigarro no outro: não há intervalo nem pausa.

Mas isso não quer dizer que escrevo todo o tempo. Esse intervalo de escrita tem sido maior, chegando a dois anos entre terminar de escrever uma história e começar a escrever outra. Nesse período de “descanso”, trabalho histórias novas mentalmente , retomo idéias antigas, procurando alguma que valha a pena escrever. Em março do ano passado, terminei de escrever O canhoto. Em novembro, re-escrevi À procura. Desde então, venho repassando duas histórias que acho boas: Rosinha (1986), tentando acertar um final interessante dentro dos objetivos que quero; e Amnésia (2004), tentando estruturar os eventos, construir a trama e melhorar a caracterização das personagens. Como podem ver, vou me preocupar com o título depois. Caso eu resolva escrever alguma das duas, haverá ainda etapas de pesquisa e planejamento, especialmente no caso de Rosinha, que se passa em São Paulo, no início do século XX – é preciso escolher uma data mais exata e ter informações para contextualizar.

Há anos atrás, esse tempo de pausa me angustiava. Eu ficava especulando se seria capaz de escrever novamente. A seqüência ponto final – assinatura – data me causava um vazio mental momentâneo, a sensação de “acabou”, que é ao mesmo tempo de alegria infinita pela conclusão e angústia de fim. Será que algum dia terei outra boa idéia? Será que conseguirei escrever com as melhores palavras? E se isso nunca mais acontecer, como vou viver sem criar e sem escrever? Eu considerava que tinha o compromisso de ter sempre boas idéias e escrever todas elas. Aos poucos, fui aprendendo que não é possível ser brilhante toda vez, e que é melhor não perder tempo escrevendo o que não é excelente. Desde então, tenho histórias que são meros passatempo, uma trama boba, cuja função é apenas me ajudar a dormir. Em geral, uso um conjunto fechado de personagens (inspiradas nas minhas velhas bonecas de papel), e mudo a caracterização, o ambiente e a trama. Chamo essas histórias de exercícios de criação, e não tenho pretensão de escrevê-las. São elas que preenchem meu tempo entre uma história boa e outra. Às vezes uma delas se desenvolve bem, chega ao fim, me agrada, e eu resolvo escrevê-la. Foi o que aconteceu com O destino pelo vão de uma janela, Difícil conquista (1991, descartada), Um dia, depois (1991, descartada), Amor maior que o amor, Tudo que o dinheiro pode comprar, À procura. Algumas são razoáveis, e talvez eu retome algum dia, para aperfeiçoá-las e escrevê-las, como Bonzinho mau-caráter (na versão de 2009), Um campo verde (1993), A Bela e a Fera (na versão de 1996).

Então atualmente estou curtindo também esse tempo de pausa de escrita, aproveitando para preparar as publicações, escrever textos para o blog, participar das comunidades de literatura. Considero que tudo isso é tão importante para minha carreira quanto criar e escrever. E hoje eu sei que eu vou conseguir criar novamente, e escrever como quero. Sei que meu inconsciente está trabalhando mesmo (e principalmente) sem eu sentir, e vai se manifestar quando estiver pronto, quando for a hora certa.

sábado, 11 de setembro de 2010

ASTROLOGIA, ACUPUNTURA E OUTROS “BICHOS”

Sempre acho tentador tentar descobrir, pelas características, pelo comportamento e pelos gestos, qual o signo das minhas personagens. Nunca o resultado é satisfatório. Como não penso nisso ao construir as personagens, elas acabam tendo características de vários signos – ou de nenhum em especial. Como uma coisa leva a outra, minhas personagens não fazem aniversário. Melhor dizendo, elas envelhecem e fazem anos, sim, mas eu não conto o dia e o mês. Às vezes, eu digo apenas que alguém nasceu no verão ou no outono, mas isso significa pouco para determinar um signo. Uma pequena exceção pode ser feita às personagens que nascem durante as histórias, que às vezes têm uma data de nascimento mais exata. Até para o horóscopo chinês é difícil definir, pois o ano chinês é diferente do nosso ano ocidental. Minhas personagens em geral têm ano de nascimento mas, como não sei se nasceram no início, no meio ou no final do ano, não posso enquadrá-las corretamente no horóscopo chinês. Definir signos para as personagens é uma forma de classificá-las, além de caracterizá-las.

Jorge Luís Borges tem um conto chamado Congresso do mundo, em que as personagens representam categorias de pessoas, e uma personagem pode representar mais de uma categoria ao mesmo tempo. É uma ideia que acho interessante, e que encaixa bem na minha maneira de pensar e organizar as informações por padrões. Assim, Duarte, por exemplo, representa os portugueses que vivem no Brasil, os degredados, os que se casam com índias, os que têm filhos mestiços, os que vivem no Rio de Janeiro, os que moram no Morro do Castelo, os que lutaram com Estácio de Sá em 1567, e tantas outras categorias que expressam suas características e seus feitos.

Nos últimos três anos, venho me envolvendo com a medicina tradicional chinesa (MTC), pois resolvi tratar meus problemas de saúde com acupuntura. Como eu gosto de perguntar e meu acupunturista gosta de explicar, venho aprendendo muito com ele, e por minha conta, fazendo leituras complementares. Tenho usado a MTC para auto-conhecimento, compreendendo como meus problemas de saúde física e emocional estão entrelaçados, o que se torna chave para resolvê-los (pela acupuntura). Levo para meu acupunturista auto-análises de personalidade que o ajudam a escolher os pontos para o tratamento. Minhas análises se baseiam muito nos aspectos emocionais e psicológicos, e eu gosto de analisar também familiares próximos, e chego a conclusões de “tratamento”: Fulana precisa tonificar o rim para melhorar a auto-estima. Beltrano é muito ansioso, é preciso dispersar a energia do baço. Cicrano está com excesso de yang no fígado, por isso está tão nervoso. Então, há algumas semanas, meu acupunturista me emprestou o livro Acupuntura e psicologia, de Yves Requena, que traz, entre outras explicações, uma descrição das cinco constituições e dos seis temperamentos da MTC. Achei muito interessante confirmar que tenho constituição Metal, com um pouco de Terra e de Água. Agora estou lendo sobre os temperamentos e, sem sentir, comecei a associar características dos temperamentos a minhas personagens. Então pensei que posso usar essas características na hora de compor as personagens. Assim, a classificação não será óbvia – como é atribuir às personagens um signo – e eu terei um parâmetro de comportamento físico, intelectual, emocional e psicológico para me guiar, além de algumas características físicas, o que pode até facilitar meu trabalho de composição. É algo que vou experimentar na próxima história que eu criar, quando partir do zero em todos os aspectos. Até lá, já terei organizado as informações e terei estudado-as e compreendido a estrutura principal de cada temperamento, para conseguir criar personagens que se encaixem bem (não pretendo fazer personagens-protótipos) nas características. Ou será que todas as minhas personagens, passadas e futuras, estão para sempre fadadas a ter temperamento Yang Ming como eu?

sábado, 21 de agosto de 2010

RELEITURAS

É preciso reconhecer que muitas vezes não é possível ter todas as idéias originais. Muitas vezes, faço releituras de obras que já existem – livros, músicas, filmes, tele-novelas. Naturalmente não pretendo imitar as obras originais, mas justamente experimentar finais diferentes, mudar o ambiente, alterar aspectos de caracterização das personagens. É algo que comecei a fazer ainda em 1986, e é uma prática que me rendeu 28 histórias, das quais são sobreviventes Nem tudo que brilha..., Amor de redenção e o Ciclo de Kerdeor (Romance em prosa do Cavaleiro de Nova Gália, História da vingança do bretão, Aventuras dos Cavaleiros Cantores). É interessante que muitas vezes o nome da história é também o nome da obra em que foi inspirada – sinal de que quis manter a referência com o original. Vou citar aqui apenas as histórias descartadas, uma vez que a explicação das histórias sobreviventes já foi feita em textos próprios.

Baseadas em filmes, tenho: 1) Viagem à lenda da concha, de 1986, como os filmes juvenis da época, em que grupos de crianças e adolescentes vivem aventuras. Há também uma certa inspiração no livro Viagem ao centro da terra, de Jules Verne; 2) O circo, de 1987, inspirado em Trapézio, de Carol Reed; 3) Luzes da cidade, de 1995, como a de Charles Chaplin; 4) Nunca te vi, de 1988, como o filme de David Hugh Jones; 5) Simultaneidade, de 1995, é baseada em Uma noite alucinante, de Sam Raimi, que eu gravei por engano e assisti em FastForward, procurando o filme que eu queria ter gravado, e baseada em Alone in the Dark, jogo para computador, numa versão para DOS ou Windows 3.1, que eu conheci em 1993.

Baseada em livros, tenho: 1) Alan e as sete brancas-de-neve, de 1986, numa inversão subversiva do conto infantil; 2) Gêmeos, de 1987, inspirado em Os irmãos corsos, de Alexandre Dumas; 3) Rebecca, de 1987, inspirada no livro homônimo de Daphne du Maurier; 4) Crime e Castigo, de 1991, com um final diferente para a trama de Fiodor Dostoiewsky; 5) Senhora, de 1993, como a de José de Alencar; 6) A megera domada, de 1996, baseada em William Shakespeare; 7) A Bela e a Fera me rendeu duas versões, uma em 1996 e outra em 1997. Alterei a caracterização da Fera e a ambientação da história. Gosto do resultado, mas ainda não o bastante para escrever; 8) Europe também tem duas versões, uma de 1994 e outra de 2003, e a fonte é o conto Europe (falta-me o nome do autor!), com uma pitada do filme Como água para chocolate, de Alfonso Arau; 9) Solitário, de 2003, é inspirada na história de Santo Onofre, contada por Eça de Queiroz; 10) Luz, de 1988, se inspirava em David Copperfield, de Charles Dickens; 11) A casa bem assombrada, de 1989; Chuva, de 1986 e A morte não basta, de 1992 são todas baseadas em O morro dos ventos uivantes, de Emily Brontë.

Baseadas em música, tenho 1) Virgem do templo, de 1996, baseada na ópera Norma, de Vincenzo Bellini; 2) I drove all night, de 1994, como o clipe da música de Roy Orbison; 3) Dona, de 1994, inspirada na canção do grupo Roupa Nova.

Baseadas em arte, tenho 1) Desastres da guerra, de 1997, inspirada na série de gravuras de Francisco de Goya y Lucientes.

Muitas vezes, faço essa opção de utilizar uma ideia de outra pessoa para passar o tempo, como uma brincadeira; outras vezes, estou mesmo testando se consigo fazer diferente com a mesma qualidade do que já foi feito (e consagrado). A verdade é que eu invento muito mas escrevo pouco: sou muito crítica com o que faço. Se não fico 100% satisfeita, a história acaba descartada ou, com sorte, fica suspensa, esperando eu modificar até considerar boa.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

LITERATURA E ARTE

Esta é uma associação que eu sempre faço, não fosse eu historiadora da arte. Então, sempre que posso, incluo aspectos formais e estilísticos de construções arquitetônicas, cito artistas que eram ativos na época da história, quando não faço minhas personagens terem contato com as obras e os artistas. Aproveito também para situar as principais questões artísticas da época e o status social dos artistas. É também uma forma bem confortável que tenho de contextualizar a minha história.

A primeira história em que essa relação entre literatura e arte acontece é Tudo por causa de um quadro, de 1986. Como o próprio nome diz, tudo acontece porque o rapaz viu um quadro com o retrato da moça, apaixonou-se e pretende conquistá-la. Era uma história baseada num sonho, e não consegui dar-lhe muita consistência, por isso descartei. Cheguei a fazer uma segunda versão, que também não se sustentou. Em uma história sem nome de 1987, uma artista plástica pretende testar se a observação tátil do modelo funciona tão bem quanto a observação visual. Em Nem tudo que brilha... há um quadro, mas não o inseri na história da arte. Em O canhoto, também cuidei de descrever bem a estrutura e a decoração do mosteiro, que o caracterizam como cisterciense. Foi muito divertido, quando Nicolaas viaja pela Itália (perdido no mundo) e passa por Florença, "pátria" do Renascimento italiano porque, quando ele passou por lá, simplesmente não havia nada de renascentista para ele visitar, como turista. Olhando com olhos de hoje, é absurdo pensar que ele passou apenas meio dia na cidade porque "não há nada de interessante para se ver em Firenze". E há também uma outra história sem nome, de 1998, em que um órfão pobre de repente descobre que tem um dom excepcional e se torna um grande artista. Pensei em situar essa história no século XIV e de alguma forma relacionar minha personagem a Giotto: como aluno, como concorrente, mas não desenvolvi a idéia e deixei essa história suspensa.

Uma história em que usei bastante os aspectos artísticos na contextualização foi Tudo que o dinheiro pode comprar. Tenho, por exemplo, uma cena em que Miguel diz querer encomendar um retrato do filho. É a brecha para eu falar em Augusto Mueller, um dos maiores retratistas da primeira metade do século XIX, e a polêmica do gosto entre Vítor Meireles, requisitado retratista da segunda metade do século XIX, famoso por suas pinturas históricas e panoramas, e Pedro Américo, pintor histórico. Na hora de situar essa história no tempo, eu queria o final do século XIX, então não resisti e fiz parte dela acontecer em 1879, ano da Exposição Geral de Belas Artes em que foram apresentados dois dos quadros mais famosos da arte brasileira até o século XIX: a “Batalha dos Guararapes”, de Vítor Meireles, e a “Batalha do Avaí”, de Pedro Américo. Minhas personagens, como o público da época, tomaram partido, atacaram e defenderam as obras e os artistas.

Acho que a relação mais intensa está em Construir a terra, conquistar a vida, em que um dos meninos desenha bem mas percebe que não pode seguir carreira devido à importância dada às artes plásticas na colônia (nenhuma importância). Prefiro não contar aqui nem quem é o menino, nem que solução encontrei para ele. Assim, não estrago a leitura do livro, quando eu o publicar. Foi muito interessante contrastar o Renascimento italiano – um dos momentos mais deslumbrantes da história da arte, quando o artista assume lugar de gênio e deixa de ser um artesão competente – e o ambiente cultural do Brasil na mesma época, em que os poucos artistas eram monges ou padres; as artes possíveis eram a arquitetura e, quando muito, a escultura devocional; as pinturas eram raras e se resumiam a retratos do rei e histórias de santos; as casas de pau-a-pique não eram decoradas artisticamente, então o único cliente era a Igreja, que tinha seus próprios artistas. “Quem vai querer comprar um desenho, mesmo que esteja bem feito?” –pergunta o artista, desconsolado, resignando-se a seguir outra profissão. Ele é meu único artista plástico e, por coincidência, houve um “mestre em artes” no Rio de Janeiro no início do século XVII com o mesmo nome. Mestre em artes, na época, não significava artista plástico, mas englobava várias habilidades manuais, inclusive o trabalho artesanal que hoje chamamos de arte colonial brasileira.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

LITERATURA E MÚSICA

Algumas pessoas escrevem ouvindo música, outras preferem o silêncio completo para criar. Alguns textos são inspirados por alguma música; alguns textos têm trilha sonora. Eu estou em todos os casos.

Ouvir música não me ajuda nem atrapalha, na maioria das vezes. Na verdade, qualquer ambiente me é propício à criação, uma vez que consigo, se necessário, ativar meu silêncio interior – que, às vezes, funciona como ruído interior, quando as cenas que estou criando se apossam da minha mente.

Quando comecei a escrever, tentava dar a cada história uma música que lhe pudesse servir de trilha sonora, como se o texto fosse um filme, com imagens e sons. É o caso da história nomeada Cheia de Charme e que, evidentemente, tem como trilha sonora a música “Cheia de charme”, de Guilherme Arantes. Neste caso, a comunhão história/música foi tão intensa e tão perfeita que a história acabou ficando com o mesmo nome que a música, ainda por cima porque nunca lhe dei um título. Há outros casos em que eu encontrei músicas que encaixavam bem nas histórias, mas acabei desistindo da prática, pois percebi que era uma informação inútil, já que eu não me referia à música durante a história, nem informava em lugar nenhum que tinha escolhido aquela música como trilha sonora para aquela história.

Algumas relações e associações, entretanto, acabam sendo inevitáveis, mesmo eu não procurando mais. Foi o que aconteceu, por exemplo, em Amor de Redenção. Na época, uma colega de trabalho assistiu a uma audição de “Concerto de Aranjuez”, de Joaquim Rodrigo, e me contou como ficou emocionada. Fiquei com vontade de ouvir a música em meu CD. E eis que eu comecei a ver as minhas personagens no segundo movimento! Ágila cavalgando ferozmente pelos planaltos espanhóis, e a chuva caindo fria sobre a pobre Alana. Então, toda vez que eu tinha uma cena difícil à frente, ou que não sabia muito bem como continuar, eu ouvia o “Concerto de Aranjuez” como uma forma de me impregnar com o clima da história e buscar “inspiração”. Mas não citei em lugar nenhum que a música tem relação com a história.

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Mestre em História e Crítica da Arte pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Dedica-se à literatura desde 1985, escrevendo principalmente romances. É Membro Correspondente da Academia Brasileira de Poesia - Casa Raul de Leoni desde 1998 e Membro Titular da Academia de Letras de Vassouras desde 1999. Publicou oito romances, além de contos e poesias em antologias. Desde junho de 2009 publica em seu blog textos sobre seu processo de criação e escrita, e curiosidades sobre suas histórias. Em 2015, uniu-se a mais 10 escritores e juntos formaram o canal Apologia das Letras, no Youtube, para falar de assuntos relacionados à literatura.

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