terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

BONECAS DE PAPEL

Sempre gostei muito de brincar de boneca. Susies e bonecas menores, bichinhos de látex, bonecas de papel. As bonecas formavam grupos familiares e de amigos e interagiam entre elas, em tramas que iam se construindo durante a brincadeira, que muitas vezes durava dias e semanas.
Na infância, a brincadeira era concreta. Era necessário manipular a boneca, articulá-la, fazê-la andar, pegar coisas, se mexer, para que a ação acontecesse. Ora, bonecas de papel não são articuláveis, e nem mesmo ficam de pé sozinhas. Elas não têm a corporeidade de uma boneca de plástico. Então algumas ações executadas pelas bonecas de papel, pela impossibilidade de acontecerem de fato, aconteciam apenas na minha imaginação, e mediadas pela linguagem (eu dizia que a ação estava acontecendo e ela estava, pelo poder da minha palavra).
Mas a gente vai crescendo e abandonando os brinquedos. As bonecas de papel resistiram mais tempo. Eu tinha vários conjuntos de bonecas e, dependendo do humor, brincava com um conjunto ou com outro, e as histórias que eu construía com as bonecas na adolescência duravam dias, semanas e meses.
Lembro de uma época, na adolescência, em que eu apenas dispunha as bonecas no chão, uma do lado da outra, e a brincadeira acontecia toda mentalmente: eu olhava para a boneca, tocava nela, e tudo o que eu queria que ela fizesse acontecia dentro da minha cabeça. Até o dia em que eu não precisava mais manuseá-las, nem olhar para elas para que elas se mexessem e interagissem. Introjetá-las em minha mente me deu total liberdade para brincar com elas a qualquer hora do dia e da noite, para mudar a aparência e a personalidade delas.
E até hoje, quando não estou escrevendo nada, recupero Pedrinho & Lisa (esses da foto) na minha mente e brinco com eles e com os companheiros deles, inventando situações prováveis e improváveis. Às vezes a trama fica boa e eu transformo em história. Troco os nomes, modifico a aparência e pronto: elaboração de personagens concluída.

A brincadeira começou concreta e foi ficando abstrata. Ganhou estrutura literária e forma escrita. Muita coisa mudou na maneira de caracterizar as personagens. Mas, para mim, escrever romances é como brincar de bonecas de papel: uma brincadeira levada a sério, ou uma atividade profissional divertida como uma brincadeira favorita.

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Mestre em História e Crítica da Arte pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Dedica-se à literatura desde 1985, escrevendo principalmente romances. É Membro Correspondente da Academia Brasileira de Poesia - Casa Raul de Leoni desde 1998 e Membro Titular da Academia de Letras de Vassouras desde 1999. Publicou oito romances, além de contos e poesias em antologias. Desde junho de 2009 publica em seu blog textos sobre seu processo de criação e escrita, e curiosidades sobre suas histórias. Em 2015, uniu-se a mais 10 escritores e juntos formaram o canal Apologia das Letras, no Youtube, para falar de assuntos relacionados à literatura.

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