Sempre gostei muito de brincar de boneca. Susies e
bonecas menores, bichinhos de látex, bonecas de papel. As bonecas formavam
grupos familiares e de amigos e interagiam entre elas, em tramas que iam se
construindo durante a brincadeira, que muitas vezes durava dias e semanas.
Na infância, a brincadeira era concreta. Era necessário
manipular a boneca, articulá-la, fazê-la andar, pegar coisas, se mexer, para
que a ação acontecesse. Ora, bonecas de papel não são articuláveis, e nem mesmo
ficam de pé sozinhas. Elas não têm a corporeidade de uma boneca de plástico.
Então algumas ações executadas pelas bonecas de papel, pela impossibilidade de
acontecerem de fato, aconteciam apenas na minha imaginação, e mediadas pela
linguagem (eu dizia que a ação estava acontecendo e ela estava, pelo poder da
minha palavra).
Mas a gente vai crescendo e abandonando os
brinquedos. As bonecas de papel resistiram mais tempo. Eu tinha vários
conjuntos de bonecas e, dependendo do humor, brincava com um conjunto ou com
outro, e as histórias que eu construía com as bonecas na adolescência duravam
dias, semanas e meses.
Lembro de uma época, na adolescência, em que eu
apenas dispunha as bonecas no chão, uma do lado da outra, e a brincadeira
acontecia toda mentalmente: eu olhava para a boneca, tocava nela, e tudo o que
eu queria que ela fizesse acontecia dentro da minha cabeça. Até o dia em que eu
não precisava mais manuseá-las, nem olhar para elas para que elas se mexessem e
interagissem. Introjetá-las em minha mente me deu total liberdade para brincar
com elas a qualquer hora do dia e da noite, para mudar a aparência e a
personalidade delas.
E até hoje, quando não estou escrevendo nada,
recupero Pedrinho & Lisa (esses da foto) na minha mente e brinco com eles e
com os companheiros deles, inventando situações prováveis e improváveis. Às
vezes a trama fica boa e eu transformo em história. Troco os nomes, modifico a
aparência e pronto: elaboração de personagens concluída.
A brincadeira começou concreta e foi ficando
abstrata. Ganhou estrutura literária e forma escrita. Muita coisa mudou na
maneira de caracterizar as personagens. Mas, para mim, escrever romances é como
brincar de bonecas de papel: uma brincadeira levada a sério, ou uma atividade
profissional divertida como uma brincadeira favorita.
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