Minhas
histórias não são do tipo que um herói vence inimigos. O conflito protagonista –
antagonista não é óbvio. Há casos em que o antagonista é alguma circunstância,
e não uma outra personagem. E, como não gosto também dessa visão simplista de
bem x mal, costumo desconstruir a relação mocinho x vilão. Muitas vezes, o vilão
é a pessoa em quem o mocinho pode confiar, não por ser a única alternativa, mas
por ser a melhor. Em algum momento da trama, a pessoa que, de alguma forma,
quer o mal para o protagonista se torna a pessoa em quem o protagonista pode
realmente confiar. Algo como se o vilão dissesse “proteja-se apenas de mim, e
eu o protejo do resto do mundo”. E há também a possibilidade da pessoa que quer
o bem do protagonista, o amigo, por alguma fatalidade, acabar prejudicando e
fazendo o mal, em geral, involuntariamente. Vamos falar de cada um em termos de
“Caso 1” e “Caso 2”.
Caso
1 – inimigo de confiança
Acho
que o típico inimigo de confiança é Curt Legrant. No meio de todo o conflito
político, a única pessoa em quem Karl pode realmente confiar é Curt: o próximo
na linha sucessória, e o homem cuja missão de vida é enfraquecer o poder do
Rei. Talvez por Curt ter objetivos tão explícitos, Karl sabe o que esperar dele,
como agir diante dele, e pode confiar a ele sua vida, pois a morte de Karl destrói o objetivo da vida de Curt. E Karl confia nele cegamente.
Já
Fréderic e Ágila são do tipo “eu te projeto do mundo para que só eu lhe faça
mal”. É uma proteção que sufoca, que faz mal, porque fragiliza e torna
dependente. E, mesmo assim, Ninette e Camila vêem neles a pessoa de confiança,
a quem podem entregar a vida sem receios. Há uma cena em que Ninette diz “Será
que eu só tenho você?” e Fréderic responde “Não sei se sou o único, mas pode
sempre confiar em mim”. Há uma outra cena em que Ágila diz “Mas eu posso
protegê-la de tudo. Você está assustada porque vivemos num mundo violento mas
você sabe que não precisa ter medo de mim.” E é assim que Camila descreve o
abraço de Ágila: “Os braços dele eram como uma muralha a envolvê-la e a
protegê-la de tudo. Mas também era um abraço que a isolava do mundo, e criava
um universo próprio, em que só eles dois existiam.” E Ninette confia em Fréderic,
assim como Camila confia em Ágila.
Quando
Alex sugere a Caty que visite a fábrica do pai dela, quer vingar-se dela por
sentir-se humilhado pelo comportamento e pela atitude dela. Nessa hora, ele é
um inimigo. Mas Caty sente que a proposta dele pode lhe trazer algum bem e
segue a sugestão de Alex Confia no que pensa que ele sente e o segue até a última
consequência.
Da mesma forma, quando
Jacques começa a contar a Marie eventos do passado, está agindo como inimigo
dela, mesmo dizendo que lhe quer bem. Ele também é inimigo de Gustave, mas
tanto Marie quanto Gustave permanecem inertes frente à influência dele. Apesar
de tudo, Marie confia em Jacques – mais até do que em Gustave.
Caso
2 – amigo que faz mal
Nessa
categoria, acho que um dos mais marcantes é Maurits, talvez o melhor amigo de
Nicolaas. Por causa dessa amizade, Nicolaas enfrenta muitas dificuldades na
vida, mas é uma amizade marcante, que segue firme até o fim da história. Maurits deseja bem a Nicolaas mas, involuntariamente, faz mal.
Já comentei sobre Letícia e seu papel dúbio, sendo ao mesmo tempo quem ajuda Toni
no objetivo imediato e quem o afasta da meta final. Ela é uma amiga, quer
ajudar, mas acaba também fazendo mal.
Penso
que tudo isso cabe no tema das falsas aparências, que acaba sendo constante
nas minhas histórias, de uma forma ou de outra. Inimigos que fazem bem, amigos
que fazem mal são subversões das caracterizações típicas. Gosto disso, de não
saber o que esperar de uma personagem. Acho que é um ponto de interesse na história:
construir personalidades complexas e, de certa forma, imprevisíveis.
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