Eu prezo muito a correção gramatical, e tomo certos
cuidados no trabalho com meus textos: evito repetição de palavras no parágrafo;
evito aliterações; certifico-me de que as frases estão completas, com sujeito,
verbo e complementos, corretamente ordenados e pontuados; entre outros detalhes
igualmente importantes para que o texto fique estilisticamente bom.
Esse perfeccionismo acaba na hora de fazer os diálogos.
Eu, o narrador em terceira pessoa, não posso cometer erros gramaticais, nem
usar linguagem coloquial. Mas as personagens podem cometer erros e devem usar
linguagem coloquial. Então, enquanto o narrador diz “Toni pegou-a ao colo e
levou-a para o outro lado”, uma personagem estaria sugerindo “Vai lá, pega ela
no colo e leva ela pro outro lado”. O narrador não deve ter a mesma voz que as
personagens, e os diálogos (as personagens) não podem ter a mesma voz que o
narrador em terceira pessoa. Um costuma ser mais formal e o outro deve ser
totalmente informal.
Tenho visto, em sites com as famosas “dicas” para
escrever, a informação de que diálogos são difíceis de se fazer, pelo grau de informalidade
e naturalidade que devem ter. Ora, é justamente por isso que é tão fácil se
escrever diálogos! Ponha-se na pele da personagem e desande a conversar, ora
bolas! Imite o sotaque de sua personagem, faça seus trejeitos. Incorpore: os diálogos
serão informais e naturais.
Outro dia, escrevendo De mãos dadas, fiz um diálogo
em que, a certa altura, Toni diz: “Lá na empresa, eu faço a diferença. O que eu
faço lá ninguém mais faz e isso me faz muito bem”. Assim que reli a primeira
vez, meus sensores já detectaram faço-faço-faz-faz e meu primeiro impulso foi
riscar e corrigir, escolhendo três verbos diferentes para trocar. Mas logo
freei a mão, ao lembrar de que Toni não está lendo e escrevendo: ele está
falando! Mais: ele está argumentando! Ninguém pensa em elegância de estilo
quando defende seu ponto de vista verbalmente. Ainda mais que Toni estudou
apenas o mínimo necessário para fazer seu trabalho. Ele não é um intelectual,
menos ainda um erudito. O gosto dele para leitura é no nível do senso-comum,
sem nenhum refinamento. Ele nem gosta de poesia. Nem sei se ele lê o jornal do
dia. Então, se eu corrigisse as repetições da fala dele, o resultado seria
artificial e arriscaria até ser pedante. Poderia ficar assim: “Lá na empresa,
eu sou o diferencial. O que eu realizo lá ninguém mais faz, e isso me agrada
muito”. Sem repetições, mas não é o meu Toni falando. Então, ao mesmo tempo em
que eu me esforço para narrar “Entregou-lhe o livro pedido” (ênclise correta),
minhas personagens pedem “Me dá aqui esse livro” (próclise no lugar errado).
O segredo para dar a voz correta às personagens nos
diálogos é bem simples: o autor precisa saber vestir muitas peles; pensar,
sentir, agir e falar como cada uma de suas personagens, de preferência todas ao
mesmo tempo. E precisa saber sair de todas essas peles na hora de usar um
narrador em terceira pessoa. No começo, pode não ser fácil de se fazer mas,
depois que se pratica, os diálogos se tornam a parte mais simples e prazerosa
de se escrever.
Oi, Mônica.
ResponderExcluirFaz muito tempo que abri essa página e fiquei esperando o momento para ler e comentar seu post. Enfim, ele chegou!
Amei tudo que você disse. É exatamente dessa forma que eu penso. Os diálogos devem ser escritos como o personagem fala, conforme sua cultura, idade, influência local... Confesso ser um pouco mais difícil para mim essa troca de linguagem, pois narro tanto em terceira pessoa quanto na primeira. Às vezes, o narrador-personagem está conversando com outro narrador-personagem, então sou obrigada a manter a linguagem de ambos na narração e nos diálogos; há momentos em que a situação se inverte: o outro narrador-personagem narra e conversa com o primeiro. Mas, como você bem colocou, é só saber vestir e trocar as roupas direitinho.
Parabéns pelo texto riquíssimo.
Beijos, querida.
Isie Fernandes - de Dai para Isie